Está em jogo uma luta de classes globalizada.
A Nova Guerra de Tarifas
O segundo mandato de Donald Trump recoloca os Estados Unidos (EUA) no centro de uma ofensiva que vai muito além da política comercial. O chamado tarifaço contra o Brasil, a China e agora a Índia é apresentado como medida de “defesa da indústria nacional”, mas na realidade revela uma lógica de dominação econômica típica do que Lenin chamou de imperialismo, fase superior do capitalismo: a busca de controle de mercados e matérias-primas pela força, quando necessário.
Ao impor tarifas médias de 50% sobre bens industriais brasileiros, o governo norte-americano não apenas desorganiza cadeias produtivas, mas também pressiona salários e consumo no Sul Global. É uma guerra de classes travada em escala planetária: trabalhadores brasileiros e latino-americanos pagam o preço da reindustrialização eleitoral de Trump, enquanto conglomerados financeiros e bélicos em Wall Street comemoram a manutenção de seus lucros.
As tarifas não atingem apenas o setor manufatureiro — afetam exportações de aço, carne e produtos semiacabados, reduzindo margens de pequenos produtores e forçando uma reconcentração da renda no setor exportador. Marx já advertia que o capital, em sua busca incessante por mais-valia, destrói as próprias condições de reprodução da vida social. O tarifaço é um exemplo vivo: sacrifica o poder de compra das maiorias e converte comércio em instrumento de coerção política.
Militarização e Pressão Geopolítica
Essa escalada comercial vem acompanhada de demonstrações militares — da presença naval perto da Venezuela ao reforço de bases no Atlântico Sul. A mensagem é clara: o “livre-comércio” só vale quando serve aos interesses de Washington. Quando os países do Sul Global ousam buscar autonomia — seja no BRICS, seja em acordos com a China ou Rússia — os EUA respondem com sanções, tarifas e, se preciso, navios de guerra.
O imperialismo contemporâneo é híbrido: combina tarifas, tecnologia, finanças e poder militar. Lenin descrevia o imperialismo como a fusão entre o capital industrial e bancário. Hoje, podemos acrescentar o capital digital e o complexo militar-financeiro. É a mesma lógica, atualizada para o século XXI — e com instrumentos ainda mais intrusivos, como controle de dados, manipulação algorítmica e espionagem industrial.
A Alternativa Chinesa e a GGI
Se o imperialismo clássico tenta reimpor uma hierarquia global, a Global Governance Initiative (GGI), lançada por Xi Jinping já em 2023 e consolidada na conferência de Tianjin em setembro de 2025, surge como uma contra-narrativa. A GGI propõe multilateralismo efetivo, cooperação sem condicionalidades e uma reforma das instituições internacionais que leve em conta o peso econômico do Sul Global.
Xi tem enfatizado que a governança global deve “refletir a realidade de um mundo multipolar” e que nenhuma nação deve impor regras unilaterais às demais. É um discurso que ressoa em países do Sul Global inclusive o Brasil.
Aqui, a luta de classes ganha uma dimensão internacional: de um lado, o eixo financeiro-militar que quer preservar privilégios; de outro, uma coalizão de países emergentes que procura democratizar a ordem mundial. Essa disputa é também ideológica — a mídia ocidental pinta a GGI como ameaça à “ordem liberal”, quando na verdade ela questiona privilégios históricos de poucos países.
O Brasil e a Resistência
O Brasil, que vive um raro momento de fortalecimento institucional após a condenação de Jair Bolsonaro e seus generais golpistas, tem a chance de responder à altura. Lula já deixou claro, inclusive em artigo no New York Times de domingo, 15 de setembro, que “soberania e democracia são inegociáveis.”
Inserir-se na GGI pode ser estratégico: significa participar ativamente da construção de novas regras para comércio, clima e tecnologia, e não apenas reagir a imposições externas. A presença do Brasil no BRICS+, somada à sua liderança climática, pode servir de ponte entre economias emergentes e países desenvolvidos que ainda acreditam no multilateralismo.
Luta de Classes Global
Sem dúvidas está em jogo uma luta de classes globalizada. De um lado, o capital financeiro internacional, amparado pelo poder militar dos EUA, que busca perpetuar taxas de lucro às custas de salários comprimidos e transferência de valor do Sul para o Norte. Do outro, uma classe trabalhadora mundial cada vez mais conectada e consciente, que reivindica justiça climática, soberania alimentar, tecnologia acessível e condições de trabalho dignas.
David Harvey, economista marxista, nos lembra que crises não são acidentes, mas mecanismos de recomposição do poder do capital. O tarifaço é, portanto, uma crise induzida que busca restaurar a lucratividade dos setores industriais norte-americanos, às custas da periferia. A resposta precisa ser articulada: sindicatos, movimentos sociais e governos progressistas devem construir uma frente comum capaz de transformar indignação em ação política.
Hora de Escolher Lado
Já está claro que o tarifaço de Trump não é apenas uma medida comercial — é um ato político, um teste para saber até onde o Sul Global aceitará ser subalterno. Resistir quer dizer mais do que negociar exceções. Significa reorganizar nossas prioridades internas, investir em autonomia e construir instituições multilaterais capazes de enfrentar a ofensiva imperial.
O imperialismo não acabou — apenas mudou de forma. E, como em 1916, quando Lenin escreveu sua obra clássica, cabe à esquerda denunciar, organizar , lutar e propor um caminho alternativo que devolva ao trabalho, e não ao capital, o centro da vida econômica. A GGI de Xi Jinping pode não ser a panaceia, mas abre espaço para um diálogo histórico que pode libertar o Sul Global da camisa de força da dependência.
FOTO: Wikimedia Commons
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/o-retorno-do-imperialismo-classico