A verdade incômoda sobre como perdemos décadas de desenvolvimento tecnológico.
Em 1980, a China e o Brasil tinham níveis similares de exportação.
Hoje, enquanto o Brasil ainda se debate com a desindustrialização precoce, a China se transformou na maior economia do mundo em paridade de poder de compra e na maior potência industrial do planeta.
Este é o resultado de escolhas estratégicas – algumas feitas, outras ignoradas.
“A maior tragédia brasileira não foi apenas não ter seguido o caminho chinês, mas ter ignorado as lições mais valiosas que poderiam ser aprendidas observando esse fenômeno.”
Vamos examinar os cinco erros fatais que o Brasil cometeu ao ignorar o modelo chinês de inovação, e por que isso nos custou décadas de desenvolvimento tecnológico.
1. Subestimar a Importância das Políticas Industriais
Erro: Enquanto a China aumentava seus subsídios para estatais de US$ 15 bilhões em 1985 para US$ 20 bilhões em 2005 — acumulando US$ 300 bilhões no período — também apoiava fortemente o setor “privado”. Em 2011, a Geely Automobile recebeu subsídios de US$ 141 milhões (51,3% de seu lucro) e a China Yurun Food US$ 84 milhões (36,1% de seu lucro). Enquanto isso, o Brasil abandonava suas políticas industriais em nome de um suposto “livre mercado”.
Realidade: O sucesso chinês demonstra que políticas industriais bem planejadas são essenciais para o desenvolvimento. A China implementou políticas que criaram campeões nacionais capazes de competição global, enquanto o Brasil desmontava seu parque industrial.
A diferença?
Na China, o Estado não apenas apoiou certos setores – ele os desenvolveu estrategicamente, com metas claras de crescimento, exportação e aquisição tecnológica.
2. Negligenciar a Educação Tecnológica
Erro: O Brasil continua focando em um modelo educacional ultrapassado, enquanto a China revolucionou seu sistema para produzir mais engenheiros e cientistas que EUA e Europa juntos.
Realidade: A revolução educacional chinesa focada em STEAM (ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática) criou uma geração de inovadores. Enquanto isso, o Brasil forma apenas uma fração dos engenheiros necessários para impulsionar uma revolução tecnológica, priorizando áreas que não agregam valor à complexidade produtiva nacional.
Hoje, para cada engenheiro formado no Brasil, a China forma mais de 15.
3. Não Compreender o Valor da Transferência Tecnológica
Erro: O Brasil aceitou passivamente o papel de fornecedor de commodities, sem exigir transferências tecnológicas significativas em suas relações comerciais.
Realidade: A China exigiu transferência tecnológica para empresas que queriam acessar seu mercado, criando um atalho para o desenvolvimento. Casos como o da Huawei revelam uma estratégia agressiva mas eficaz de absorção de tecnologia estrangeira. Tema que exploramos detalhadamente em nosso curso sobre desenvolvimento econômico chinês.
Em setores como 5G e energia solar, a China não apenas alcançou o Ocidente, mas o ultrapassou. Enquanto isso, o Brasil continua dependente de tecnologia importada, sem desenvolver capacidade local significativa.
4. Falhar na Transição da Imitação para a Inovação
Erro: O Brasil se contentou em ser um seguidor tecnológico perpétuo, sem estratégias para evoluir para inovador.
Realidade: A trajetória chinesa mostra que essa evolução é possível. Empresas como BYD, Xiaomi, DJI e Lenovo passaram de imitadoras a inovadoras, definindo tendências globais. A BYD, que começou fabricando baterias para outros, agora lidera o mercado global de veículos elétricos, superando a Tesla.
Enquanto a China transformou “Made in China” de insulto a certificado de excelência, o Brasil continua associado principalmente a produtos de baixo valor agregado.
5. Ignorar o Poder das Reformas Rurais e do Empreendedorismo Local
Erro: O Brasil subestimou a importância de reformas rurais e do fomento ao empreendedorismo como bases para o desenvolvimento industrial.
Realidade: As reformas rurais foram o alicerce sobre o qual a China construiu seu desenvolvimento econômico. Permitindo aos agricultores manter uma parte significativa da produção para venda nos mercados, o Estado Chinês não apenas aumentou a produtividade agrícola, mas também incentivou uma onda de empreendedorismo rural.
No Brasil, o agronegócio cresceu, mas sem gerar o mesmo efeito multiplicador na economia ou criar um ecossistema de pequenos empreendedores que pudessem formar a base de um desenvolvimento industrial diversificado.
O Caminho a Seguir
A boa notícia? Nunca é tarde para aprender. O Brasil ainda possui vantagens significativas:
- Recursos naturais abundantes estratégicos para a economia verde
- Mais de 10% de nossa energia elétrica já vem de parques eólicos do Nordeste
- Somos top 10 mundial de energia solar com produção de 24 GW
- Temos polos relevantes para produção de hidrogênio verde, etanol e biocombustíveis
O Brasil pode reverter seu atraso tecnológico, mas isso exigirá mais do que discursos – exigirá uma mudança fundamental em nossa abordagem do desenvolvimento.
Em vez de continuar ignorando as lições do modelo chinês, precisamos adaptar seus princípios-chave à nossa realidade, desenvolvendo políticas industriais coerentes, reformando nossa educação para foco em tecnologia, exigindo transferências tecnológicas reais, fomentando o empreendedorismo local, e estabelecendo uma trajetória clara da imitação à inovação.
O século XXI ainda tem muitas décadas pela frente.
A pergunta é: continuaremos cometendo os mesmos erros ou finalmente aprenderemos com a experiência chinesa?
Paulo Gala
Graduado em Economia pela FEA-USP | Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo | Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY | Autor com +10,000 cópias de livros vendidas | Geriu carteiras de +R$ 3,000,000,000 | Professor na FGV/SP há 20 anos.
FONTE: paulogala.com.br