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Os fios ocultos que conectam a primeira privatização de Tarcísio ao Master

A venda da Emae revelou conexões com o império financeiro de Vorcaro e levou a empresa a investir em CDBs ligados ao banco Master.

A novela da EMAE — a empresa de energia da Grande São Paulo — tornou-se um estudo de caso sobre como privatizações mal calibradas podem voltar para assombrar os governos que as promovem. Vendida em agosto de 2024 ao fundo Phoenix, ligado ao ecossistema financeiro orbitado pelo conglomerado Master — hoje liquidado pelo Banco Central — a companhia acabou sendo resgatada pela Sabesp um ano depois, ela própria já privatizada pelo governo Tarcísio de Freitas. A operação que deveria simbolizar dinamismo privado virou uma compra de última instância após o default de Phoenix e a execução das garantias que levaram à troca de controle.

Por André Vieira, do Brazil Stock Guide

Com a implosão do Banco Master, o impacto irradiou por todos os negócios do grupo — e agora se sabe que a EMAE tinha uma ligação ainda mais direta do que se imaginava. Antes de perder o comando, a companhia acumulou quase 6% de seus ativos em CDBs emitidos pelo Letsbank, parte do mesmo conglomerado desmontado pela intervenção do BC. Mais de R$140 milhões estão congelados. A empresa diz ter liquidez para operar normalmente, mas o episódio expõe o flanco mais sensível de todo o processo: um ativo estratégico colocado simultaneamente sob o risco de um acionista inadimplente e de um banco cuja solidez se revelou ilusória. A venda foi anunciada, com as típicas fortes batidas de martelo do governador no leilão da B3, como prova de “agilidade de mercado”; o desfecho mostrou o oposto — fragilidade de diagnóstico.

A entrada da Sabesp por R$1,13 bilhão marcou um desfecho paradoxal: a EMAE saiu das mãos de um controlador privado incapaz de honrar a primeira obrigação financeira e passou ao comando de uma companhia privada que, até pouco tempo atrás, também era estatal. Para o governo paulista, trata-se de reforçar a lógica de integração entre água e energia, numa estratégia apresentada como tecnicamente virtuosa. Mas, por trás desse discurso público, persiste a pergunta incômoda: como um processo supostamente robusto permitiu a entrada de um controlador cuja solvência ruiu antes da segunda página do contrato?

Há ainda um componente social pouco explorado. O advogado e pastor evangélico Fabiano Campos Zettel, líder de uma igreja influente em Belo Horizonte e casado com a irmã mais nova de Daniel Vorcaro, tornou-se em 2022 um dos maiores financiadores privados das campanhas eleitorais — incluindo uma doação legal de R$2 milhões à campanha de Tarcísio de Freitas, da qual foi o maior doador. Ele não é alvo das investigações que miram Vorcaro. Mas o arranjo mostra que o universo ao redor do Master é mais vasto, interligado e permeado por zonas cinzentas do que sugerem as versões oficiais. A lição permanece: o problema da EMAE não foi apenas quem comprou, mas quem permitiu que comprassem. O trabalho de entender o que falhou — e por quê — está só começando.

Foto: Governo de São Paulo

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/os-fios-ocultos-que-conectam-a-primeira-privatizacao-de-tarcisio-ao-master