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Padrões duplos imperialistas: guerra para a Venezuela e socorro para a Argentina

A geopolítica do Hemisfério Ocidental reflete o enfraquecimento da hegemonia dos EUA e uma multipolaridade emergente.

A Revolução Bolivariana da Venezuela esteve na vanguarda do Sul Global. Em contraste, o governo do presidente Javier Milei na Argentina representa a consequência lógica, ainda que absurda, do neoliberalismo extremo, que ele chama de “anarcocapitalismo”.

A geopolítica do Hemisfério Ocidental reflete o enfraquecimento da hegemonia dos EUA e uma multipolaridade emergente, especialmente com a entrada da China como um grande parceiro comercial regional. A resposta do imperialismo norte-americano, iniciada muito antes de Trump, tem sido transformar o dólar em arma, impor sanções econômicas ilegais e paralisantes e cobrar tarifas arbitrárias. Quando estas falham, o recurso é a agressão militar.

O Secretário de Guerra dos EUA, Pete Hegseth, anunciou os preparativos para uma guerra com a China. Washington concluiu que deve pôr um fim à multipolaridade para manter sua supremacia global. Assim, o governo Trump está simultaneamente correndo para resgatar o governo de Milei, enquanto se apressa para derrubar o governo venezuelano sob o presidente Nicolás Maduro.

O Papel da Venezuela sob o Chavismo

A Venezuela é um farol de soberania nacional e progresso social. Ela se opôs consistentemente à agressão imperialista, não apenas na América Latina, mas globalmente. Sob o movimento conhecido como “Chavismo”, visou a integração latino-americana e o agrupamento de seus enormes recursos naturais, oferecendo um caminho independente para o desenvolvimento para resistir ao imperialismo norte-americano.

Consequentemente, tem sido atacada, suportando violência de extrema-direita financiada pelos EUA, desestabilização, um bloqueio econômico asfixiante liderado pelos EUA, tentativas de assassinato do presidente e de principais funcionários bolivarianos, ataques de mercenários, golpes e terrorismo – todo o arsenal da caixa de ferramentas agressiva de Washington.

O papel da Argentina sob Milei

Em 2023, a raiva anti-establishment impulsionou o populista libertário Javier Milei à presidência argentina. Seu “plano de motosserra” – semelhante ao de Trump – com cortes radicais de gastos e uma guerra contra instituições e serviços governamentais, se encaixava na ortodoxia ditada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Milei fechou 13 ministérios do governo, incluindo os da educação, trabalho e previdência social. Credores estrangeiros aplaudiram a elevação da austeridade por Milei a um imperativo moral.

Milei ainda é favorecido pelo FMI. Mas, embora sua relutância em desvalorizar o peso tenha ajudado a cortar a inflação, isso desacelerou o crescimento econômico e reduziu a capacidade do país de sustentar sua enorme dívida. A Argentina agora tem um rombo de mais de US$ 450 bilhões. O emprego caiu abruptamente, enquanto a pobreza disparou para afetar 53% da população em 2024 (supostamente reduzindo desde então). Os cortes orçamentários aumentaram o custo de necessidades básicas.

Escândalos de corrupção emergiram. Um associado político próximo de Milei admitiu ter recebido “doações” de um narcotraficante. Seguiu-se um escândalo de criptomoedas de US$ 4,6 bilhões; o maior roubo de criptomoedas de todos os tempos. A oposição de esquerda de Milei exigiu seu impeachment, e um juiz iniciou uma investigação por fraude. Posteriormente, a irmã de Milei foi acusada de receber propinas vultosas. Além disso, veio a derrota esmagadora do partido libertário de Milei nas eleições provinciais de Buenos Aires em setembro.

Tudo isso desencadeou uma corrida ao peso e uma nova crise econômica.

A decisão recente de Trump de resgatar o desempenho econômico previsivelmente desastroso de Milei é consistente com a prodigalidade dos empréstimos do FMI-EUA a governos argentinos de direita. Em abril de 2025, o Buenos Aires Times informou que o FMI elogiou os esforços de Milei e projetou que a economia argentina cresceria mais rápido que a média global. Na verdade, Milei levou o país à recessão e lançou milhões de pessoas na pobreza nos primeiros meses de seu governo.

Em suma, o governo “narco-capitalista” de Milei não só é corrupto, mas também devastou a economia argentina. Milei representa a culminação lógica da servidão da classe dominante argentina aos objetivos geopolíticos dos EUA, estendendo-se até seu apoio entusiástico ao genocídio em Gaza. Apoiando de forma servil tudo o que Trump faz ou diz, a Argentina foi um dos apenas dez países a votar com os EUA contra a solução de dois estados da ONU para Israel-Palestina.

FMI trava guerra financeira contra a Venezuela

O FMI é uma instituição-chave através da qual os EUA impõem seu domínio imperial, parte de uma arquitetura moldada em grande parte por Washington. Frequentemente funcionando como um braço financeiro da política externa dos EUA, ele recompensa regimes de direita complacentes, como os dos presidentes argentinos Macri e Milei, enquanto pune governos independentes como o da Venezuela, que lutam pelo socialismo.

Um exemplo é a resposta do FMI ao golpe de 2002 contra o presidente democraticamente eleito da Venezuela, Hugo Chávez. O FMI declarou publicamente sua prontidão para colaborar com o golpista Pedro Carmona, cujo “governo” aboliu a constituição e instituições democráticas fundamentais. Horas depois que Chávez foi sequestrado, Thomas Dawson, do FMI, disse: “estamos prontos para auxiliar a nova administração da maneira que acharem adequada”. Felizmente para a democracia, o golpe durou apenas 47 horas. O povo espontaneamente se levantou e devolveu seu legítimo presidente ao seu cargo.

Mais recentemente, durante a crise da Covid-19, a chefe do FMI, Kristalina Georgieva, anunciou uma resposta de emergência que poderia liberar US$ 50 bilhões para países em desenvolvimento e US$ 10 bilhões para países de baixa renda a uma taxa de juros zero. A Venezuela tentou exercer seus “direitos especiais de saque” por US$ 5 bilhões para combater a pandemia. Isso exigiu que funcionários do FMI se envolvessem em acrobacias para justificar a rejeição do pedido da Venezuela. A razão real foi o reconhecimento farsante pelo governo dos EUA de Juan Guaidó como “presidente interino”.

EUA-FMI sustentam a Argentina direitista

Em 1999-2002, quando a Argentina tinha um governo de direita, o FMI superestimou o crescimento do PIB. Então, inversamente, em 2003-2015, quando a Argentina teve governos de esquerda sob os Kirchner, o FMI subestimou a força da recuperação econômica do país. A dívida com o FMI foi paga, a notória dívida externa da Argentina caiu drasticamente, nenhum novo empréstimo do FMI foi concedido.

Mas na última década, sua política girou em torno de crises econômicas crônicas e da persistente influência do FMI. Através de três presidências, a Argentina oscilou da liberalização de mercado (Macri, que sucedeu aos Kirchner), à intervenção estatal (Fernández), à austeridade radical (Milei). O direitista Mauricio Macri adquiriu um empréstimo de US$ 57 bilhões, o maior da história do fundo. O próprio FMI admitiu que o resgate “não era adequado para o propósito”. O país está agora em seu vigésimo terceiro resgate do FMI, um recorde global. É o maior devedor do fundo, devendo “estarrecedores” US$ 41,8 bilhões.

Agressão dos EUA contra a Venezuela

Os EUA consideram intolerável que a Venezuela – uma “ameaça” de bom exemplo – tenha resistido com sucesso à política de “pressão máxima” dos EUA. Seu acúmulo militar contra a Venezuela é uma escalada da guerra híbrida para a guerra aberta, visando suprimir um modelo alternativo de soberania e justiça social, com o possível bônus de recuperar o controle sobre os recursos petrolíferos do país.

Trump implantou uma frota de navios de guerra, jatos de caça furtivos F-35 e vários milhares de fuzileiros navais. Washington está posicionando forças militares em Porto Rico, tem uma presença militar substancial na Guiana e pediu a Granada que implantasse forças militares dos EUA em seu território. Trump declarou que os EUA estão em guerra com os cartéis de drogas, potencialmente estendendo-se àqueles supostamente dentro da própria Venezuela. Comentadores, incluindo funcionários do governo bolivariano, concluem que um ataque militar dos EUA parece iminente.

A justificativa de Washington é uma mentira monumental: a Venezuela é alegadamente um narco-estado, liderado pelo inexistente Cartel de los Soles. Rubio e Trump acusam falsamente o governo bolivariano de enviar centenas de toneladas de drogas para os EUA. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime relatou consistentemente que até 92% da cocaína produzida na Colômbia e no Equador chega aos EUA através do Pacífico (toda a costa da Venezuela fica voltada para o Mar do Caribe).

Trump e Milei

Em nítido contraste com a punição econômica aplicada à Venezuela, o “presidente favorito” de Trump está recebendo um resgate para a economia que ele destruiu. A Milei é prometida uma compra direta de pesos com dólares, juntamente com uma “linha de swap” de US$ 20 bilhões do banco central. Milei rapidamente agradeceu a Trump por sua “visão e liderança poderosa”.

Washington admite abertamente seus motivos ideológicos. O Secretário do Tesouro, Scott Bessent, disse que os EUA deveriam ajudar os conservadores a vencerem eleições na América Latina. Ele tuitou: “O sucesso da agenda de reformas da Argentina é… do interesse estratégico dos Estados Unidos.” Elogiando a economia “forte e estável” da Argentina, ele não explicou por que ela entraria em colapso sem o apoio dos EUA.

O resgate parece ter vários objetivos não declarados. Um, de acordo com o New York Times, é ajudar investidores ricos cujas apostas poderiam fracassar se a economia argentina afundar. A mesma fonte afirma que os funcionários norte-americanos também estão pressionando a Argentina a reduzir seus laços com a China e querem acesso aos seus suprimentos de urânio e lítio. O plano de resgate pode até envolver a dolarização da economia argentina.

Quase metade dos argentinos (44%) vê o acordo como mais provável de beneficiar os EUA do que sua própria nação, enquanto 36% têm uma visão negativa do relacionamento de Milei com Washington. A ironia da tábua de salvação econômica de Trump para Milei é que ela pode acabar com suas chances de sobrevivência política.

Miséria neoliberal vs. desenvolvimento soberano orientado para a multipolaridade

A Venezuela Bolivariana e a Argentina de Milei apresentam dois caminhos drasticamente diferentes para a América Latina — a desafiadora soberania venezuelana contra o imperialismo norte-americano e a subserviência e dependência cada vez mais profundas da Argentina. Uma sofre a “guerra híbrida” imperial, enquanto a outra ganha o “socorro” imperial.

Washington usa ferramentas coercitivas — sanções, guerra econômica e ameaças militares — para preservar a dominação hemisférica. A Venezuela incorpora resistência e integração regional. A Argentina, sob Milei, epitomiza o colapso no “narco-capitalismo”, devastação social e sujeição estrangeira.

Em última análise, a austeridade neoliberal traz apenas pobreza e dependência, enquanto a cooperação multipolar entre as nações do Sul Global oferece um caminho viável para a genuína independência, o desenvolvimento equitativo e a resistência à dominação imperial. As ações militares dos EUA contra a Venezuela violam o direito internacional e se baseiam em alegações infundadas. A América Latina é uma Zona de Paz declarada. Para respeitar isso e permitir que o povo tenha o direito de viver sem medo da guerra, os EUA devem retirar suas forças.

FOTO: The White House

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/padroes-duplos-imperialistas-guerra-para-a-venezuela-e-socorro-para-a-argentina