Os países asiáticos demonstraram uma postura coletiva de racionalidade, equilíbrio e coordenação.
A Assembleia do Círculo Polar Ártico de 2025 foi novamente realizada em Reykjavik, capital da Islândia. Durante três dias, essa pequena nação insular, situada quase no topo do mundo, atraiu os olhares globais para a região polar. Os participantes vieram de mais de 60 países, incluindo enviados para assuntos do Ártico e marítimos, ministros das Relações Exteriores e do Comércio, acadêmicos, empresários e jovens líderes. De tempos em tempos, representantes da OTAN em uniforme cruzavam os corredores — um lembrete sutil de que o Ártico está se tornando uma nova fronteira da governança global.
A programação deste ano foi impressionantemente abrangente — de mudanças climáticas, segurança energética e geopolítica a infraestrutura marítima, cultura indígena e participação da juventude. A cada dia, cerca de 45 eventos oficiais foram realizados, incluindo plenárias, sessões temáticas, mesas-redondas e exposições artísticas — somando aproximadamente 120 atividades. Quem quisesse acompanhar tudo precisaria começar cedo o “treinamento ártico” para o próximo ano.
A agenda refletiu três princípios-chave: diversidade, equilíbrio e pragmatismo. A diversidade se referia à abrangência dos temas — ciência, política, economia e sociedade. O equilíbrio demonstrava o esforço dos organizadores em buscar um meio-termo entre a competição e a cooperação entre as grandes potências. O pragmatismo se expressava na busca por soluções concretas que conectem ação climática, desenvolvimento econômico e inovação tecnológica. Afinal, o Ártico não é apenas uma combinação de gelo e minerais — é um campo experimental para novas formas de cooperação e governança global.
A Ásia entra em cena no Ártico
Dois momentos se destacaram este ano. O primeiro foi uma mesa-redonda organizada em conjunto pelo Instituto de Estudos China-América (ICAS) e o Beijing Dialogue, intitulada “As relações da China com o Ártico: competição estratégica e cooperação pragmática”, com público lotado e disputado até para quem queria ficar de pé. O segundo foi uma sessão plenária dedicada aos cinco países asiáticos observadores do Conselho do Ártico — China, Japão, Coreia do Sul, Índia e Singapura — sob o tema “O Ártico em derretimento: o futuro da Ásia”. Essa aparição coletiva marcou o surgimento de uma consciência ártica asiática.
Como destacou o chefe da delegação chinesa, as transformações no Ártico têm impacto crescente sobre a Ásia. Do ponto de vista climático, os complexos mecanismos de circulação atmosférica da região influenciam o clima do Leste Asiático, afetando a segurança hídrica e a produção agrícola. Os países asiáticos precisam fortalecer a cooperação para enfrentar os desafios trazidos pelas mudanças climáticas. No campo econômico, a abertura das rotas marítimas árticas oferece novos caminhos comerciais, ampliando as trocas entre Ásia, Europa e América do Norte e promovendo a integração regional. Em termos ambientais, as mudanças no Ártico intensificam a complexidade dos problemas globais, exigindo uma reforma cooperativa na governança ambiental mundial. O representante chinês enfatizou que os países asiáticos têm condições de desempenhar um papel singular na proteção ecológica, no desenvolvimento de recursos e na construção de rotas marítimas no Ártico.
Participação de alto nível e interesses crescentes
A sessão asiática foi presidida por Ólafur Ragnar Grímsson, ex-presidente da Islândia e atual presidente do Círculo Polar Ártico. O Japão enviou uma delegação de alto nível liderada pela princesa Hisako de Takamado, demonstrando o peso diplomático crescente da região.
Cada um dos cinco países asiáticos também organizou ou participou de painéis paralelos sobre geopolítica, clima, navegação e energia.
- A China destacou seu engajamento prático na governança do Ártico sob a égide da Iniciativa de Governança Global.
- A Índia ressaltou o impacto das mudanças climáticas árticas nas monções e na segurança costeira.
- A Coreia do Sul concentrou-se nos eventos climáticos extremos.
- Empresas chinesas e japonesas avaliaram o potencial comercial e a segurança das cadeias de suprimento nas rotas marítimas árticas.
- China e Coreia do Sul discutiram cooperação em energia verde — como hidrogênio e geotermia — revelando grande potencial de colaboração pragmática.
Os países asiáticos demonstraram uma postura coletiva de racionalidade, equilíbrio e coordenação: respeito à soberania ártica, valorização de oportunidades compartilhadas e participação ativa em pesquisa científica, intercâmbio tecnológico e projetos para jovens. Já não são meros espectadores, mas sim “atores responsáveis não-árticos”, que buscam voz na governança global e no desenvolvimento sustentável.
A diplomacia ártica da Índia
A atuação indiana mereceu atenção especial. A delegação de Nova Délhi foi ampliada este ano, cobrindo diplomacia, pesquisa, energia e assuntos polares — sinal do interesse do país em fortalecer sua rede multilateral e a representação do Sul Global por meio da cooperação ártica. A Índia apresentou uma lógica de três eixos — clima, navegação e tecnologia — destacando os efeitos das mudanças árticas sobre as monções e as zonas costeiras, propondo participar da construção de infraestrutura polar e do compartilhamento de dados científicos, e reafirmando os princípios de “ciência em primeiro lugar” e “uso pacífico”, alinhados à sua tradição de “diplomacia científica”.
Apesar de enviarem representantes de alto nível e de compartilharem preocupações semelhantes, os cinco países asiáticos ainda não formaram um mecanismo conjunto nem uma plataforma institucionalizada. Seus fóruns permaneceram independentes, e a cooperação se concentrou em pesquisa, navegação, monitoramento climático e intercâmbio juvenil — mais do que em alinhamentos políticos. Na prática, os países asiáticos preferem avançar por meio de cooperação bilateral ou multilateral com os estados árticos, e não como um bloco unificado.
Pragmatismo cauteloso das potências ocidentais
Em meio ao ambiente geopolítico tenso, os países tradicionalmente árticos — com exceção da Rússia — como Noruega, Islândia, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Canadá, mantiveram um tom cauteloso e pragmático, ao mesmo tempo em que enfatizaram repetidamente a necessidade de independência energética em relação à Rússia, transformando o tema em nova “correção política”. As nações nórdicas destacaram que segurança energética é sinônimo de segurança nacional; Estados Unidos e Canadá reforçaram a ligação entre os interesses e a segurança do Ártico. Assim, buscam preservar o Ártico como uma zona em que a cooperação possa sobreviver à competição e a estabilidade possa coexistir com as divergências.
Mais do que um fórum de políticas e ciência, a Assembleia do Círculo Polar Ártico também serviu como vitrine de soft power. O evento aconteceu no Harpa Concert Hall and Conference Center, marco cultural da Islândia, que recebe concertos e exposições. Durante a conferência, músicos se apresentaram e, em um dos momentos mais simbólicos, Mark Armstrong, filho do primeiro homem a pisar na Lua, Neil Armstrong, relembrou emocionado as vezes em que seu pai treinou na Islândia antes da missão lunar — um país cuja paisagem “extraterrestre” o impressionou profundamente. Após regressar da Lua, Armstrong visitou discretamente um museu local e levou consigo o pequeno martelo que usara nos treinamentos. Esses detalhes lembram que exploração e inovação caminham com a humanidade — e que o Ártico não é apenas uma questão de estratégia ou economia, mas também de cultura e imaginação.
Um futuro ártico compartilhado
Como disse o presidente da conferência na abertura: “O Ártico pertence a todos.” Cada fragmento de conhecimento, cada gesto de cooperação e cada geleira que derrete dizem respeito a toda a humanidade. As neves de Reykjavik testemunham essa tendência: entre competição e colaboração, a humanidade tenta encontrar um caminho de equilíbrio — e as vozes da Ásia soam cada vez mais fortes nos ventos gelados do Ártico.
Notas da Islândia (1): O Ártico é uma “tigela de ouro”
Foto: Beijing Club
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/paises-asiaticos-abracam-o-artico