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PF pericia aparelho da Lava Jato e apura possível grampo ilegal

Equipamento usado entre 2016 e 2020 teria gerado 30 mil gravações sem autorização judicial.

247 – A Polícia Federal iniciou a perícia em um aparelho de gravação telefônica utilizado pela força-tarefa da Lava Jato do Ministério Público Federal no Paraná para apurar suspeitas de interceptações ilegais. O foco da investigação é verificar se o equipamento foi acionado sem autorização judicial, o que pode configurar crime de escuta clandestina, com pena prevista de dois a quatro anos de detenção.

A apuração foi determinada por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), após voto do ministro Luís Felipe Salomão que reverteu um parecer da Procuradoria-Geral da República favorável ao arquivamento do caso. O inquérito tramita sob sigilo desde o início do ano passado e apura possíveis crimes de interceptação ilegal.

O que está sob investigação

A perícia recai sobre um aparelho do modelo Vocale R3, utilizado entre 2016 e 2020 pela força-tarefa da Lava Jato. Dados preliminares indicam que o sistema realizou cerca de 30 mil gravações telefônicas, das quais ao menos 341 teriam sido acessadas por usuários. Há suspeita de que escutas tenham sido feitas à revelia dos titulares das linhas telefônicas.

A análise técnica busca esclarecer quem operava o sistema, se houve exclusão de arquivos e se cópias das gravações foram armazenadas em nuvem. Por decisão do STJ, os peritos estão autorizados, neste momento, a examinar apenas os logs de uso e metadados, ficando proibida a audição do conteúdo das conversas gravadas.

“Para além de uma busca por elementos altamente técnicos relacionados ao funcionamento do equipamento VOCALE R3, a perícia requerida pela autoridade policial não está direcionada ao conteúdo dos diálogos que foram gravados, mas como esse material foi armazenado, quem eram os responsáveis pela gestão do equipamento e quem teve acesso às gravações”, afirmou o ministro Luís Felipe Salomão em seu voto.

Possíveis responsabilidades e contexto histórico

O inquérito investiga eventual responsabilidade do então coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, além de outros integrantes da força-tarefa. O período de funcionamento do equipamento coincide com momentos centrais da operação, como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a divulgação da chamada “Lista de Fachin”, a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018, e a eleição de Jair Bolsonaro.

O desligamento do aparelho, em 2020, ocorreu em meio ao enfraquecimento da Lava Jato, após a divulgação das reportagens conhecidas como Vaza Jato, que revelaram diálogos entre procuradores e o ex-juiz Sergio Moro, e durante o processo de desmonte da força-tarefa conduzido pela Procuradoria-Geral da República.

Dificuldades para acesso ao equipamento

A Polícia Federal relatou à Justiça entraves para obter o equipamento de gravação. O pedido foi formalizado em janeiro de 2024, mas o aparelho, que estava guardado em Brasília, só foi entregue meses depois, após a PF apontar risco de adoção de medidas judiciais mais incisivas.

A definição da instância competente para conduzir a investigação também contribuiu para atrasos. O caso passou pela Justiça Federal do Paraná, seguiu para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região e, posteriormente, foi remetido ao STJ, diante da possibilidade de envolvimento de procuradores regionais da República, que têm foro naquela corte.

Nota de Deltan Dallagnol

Em nota divulgada, Deltan Dallagnol negou qualquer irregularidade e afirmou que o equipamento foi adquirido como medida de segurança institucional, diante de ameaças sofridas por membros da Lava Jato.

“O equipamento de autogravação foi adquirido pela Procuradora-Chefe à época, como medida institucional de segurança, em um contexto em que procuradores que enfrentavam organizações poderosas e crimes de colarinho branco passaram a receber ameaças à própria vida e à de suas famílias”, declarou.

Segundo ele, alguns servidores optaram por gravar apenas os próprios ramais e, posteriormente, ao deixarem a força-tarefa, não solicitaram o desligamento do sistema.

“Posteriormente, dois servidores que tinham pedido a gravação de seus próprios terminais se desligaram da força-tarefa e se esqueceram de solicitar a interrupção da gravação dos ramais que antes ocupavam, o que explica integralmente o ocorrido”, afirmou.

Dallagnol também declarou que não utilizou o equipamento, não exercia controle administrativo sobre o sistema e que nenhuma gravação teria sido acessada de forma indevida.

“As investigações demonstraram de forma inequívoca que nenhuma gravação foi acessada, escutada ou utilizada, afastando qualquer hipótese de crime, dolo ou violação de direitos”, disse.

Apurações paralelas

Em outra frente, a 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável por processos da Lava Jato, foi alvo recentemente de busca e apreensão determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli. A medida teve como objetivo apurar indícios de monitoramento ilegal de autoridades com foro privilegiado.

No caso analisado pelo STJ, o escopo é mais amplo: a suspeita é de que o sistema de gravação, acoplado aos ramais da força-tarefa, tenha registrado de forma indiscriminada ligações de advogados, investigados, testemunhas e outros procuradores, sem qualquer controle judicial.

Foto: Divulgação/Arquivo/PF

FONTE: https://www.brasil247.com/brasil/pf-pericia-aparelho-da-lava-jato-e-apura-possivel-grampo-ilegal