Cenário vem melhorando e atinge principalmente homens e empregados na agropecuária.
Pela primeira vez, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calculou dados sobre a pobreza de acordo com a situação das pessoas no mercado de trabalho, em sua Síntese de Indicadores Sociais referentes a 2023. A medida é uma das referências para o acompanhamento do primeiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), que é a erradicação da pobreza.
A pesquisa do IBGE mostra que, mesmo entre os trabalhadores ocupados, há uma parcela de 14,2% abaixo da linha de pobreza, ou seja, que vive com renda per capita menor que US$ 6,85 por dia (por Paridade de Poder de Compra, ou PPC) ou R$ 665 por mês. Na população como um todo, essa fatia é maior, de 27,4%, porque inclui também desempregados, por exemplo. A extrema pobreza, por sua vez, é uma realidade menos frequente, de apenas 0,8% dos trabalhadores ocupados, ante 4,4% na média da população.
Em números absolutos, eram 14,336 milhões de pessoas que trabalhavam em 2023 e ainda assim tinham renda per capita abaixo da linha de pobreza do Banco Mundial usada como referência pelo IBGE. O número de trabalhadores ocupados e extremamente pobres, por sua vez, é de 783 mil pessoas. Uma das razões para a pobreza do trabalhador, apontam especialistas, é a maior vulnerabilidade dos postos de trabalho desse grupo.
“Mesmo ocupado, esse trabalhador não consegue renda suficiente para se manter. A renda não é suficientemente elevada para que consiga sair da situação de pobreza”, explica André Simões, um dos analistas do IBGE responsáveis pelo trabalho. “Isso reflete um mercado de trabalho que não é homogêneo: há atividades com maior produtividade e ganhos e outras com mais precariedade”.
Na avaliação do economista e associado sênior da Tendências Consultoria Lucas Assis, a pobreza do trabalhador é um indicador essencial para avaliar a qualidade e o acesso ao mercado de trabalho, e também a eficácia do rendimento do trabalho em garantir condições mínimas de subsistência: “Os números revelam que, embora a maioria dos trabalhadores esteja fora da extrema pobreza, uma parcela significativa enfrenta dificuldades econômicas.”
O conceito de “working poor” tem sido foco de estudos internacionais, especialmente da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em suas análises, a organização aponta como o emprego “não é garantia de condições decentes de vida”, apesar de ser um instrumento para retirar pessoas da pobreza. “Isso só é verdade se a qualidade do emprego é suficiente, com ganhos adequados e condições de trabalho seguras. A relação entre emprego e pobreza depende, em grande parte, de quanto o trabalho decente é assegurado no mercado de trabalho”, escreveu a OIT.
Em 2023, 6,9% dos trabalhadores ocupados no mundo estavam abaixo da linha de pobreza, segundo a OIT. Esse critério, no entanto, inclui os trabalhadores com renda abaixo de US$ 1,90 por dia – e não a linha de US$ 6,85 por dia usada pelo IBGE. Por isso, o indicador da OIT se aproxima de uma extrema pobreza entre trabalhadores.
A pesquisa mostra que a pobreza entre os trabalhadores caiu em 2023, ao lado de outros indicadores na área. Trabalhadores pobres eram 17,9% dos ocupados no mercado em 2022. A fatia recuou para 14,2% em 2023, a menor da série histórica iniciada em 2012.
A queda da pobreza entre trabalhadores é classificada como significativa pelo analista do IBGE André Simões, que atribui o movimento ao mercado de trabalho: “O ano de 2023 teve mais gente absorvida pelo mercado e também aumento da renda do trabalhador”.
O rendimento médio real habitual da população ocupada no trabalho principal subiu de R$ 2.700 por mês em 2022 para R$ 2.890 em 2023, alta de 7,1%.
“Mesmo ocupado, esse trabalhador não consegue renda suficiente para se manter.”
Em sua análise, o IBGE afirma que “o acesso à renda do trabalho é condição importante para garantir que os níveis de pobreza e extrema pobreza das pessoas ocupadas sejam menores que dos desocupados e das pessoas fora da força de trabalho”. A taxa de pobreza é de 14,2% entre ocupados, 54,9% entre desempregados e 33% entre aqueles fora da força de trabalho.
O economista Lucas Assis reconhece os avanços na redução da pobreza entre os trabalhadores em 2023, mas destaca que a situação ainda persiste, especialmente em grupos específicos, como pessoas com baixa escolaridade e pessoas pretas ou pardas. As tradicionais marcas regionais de desigualdade também aparecem na taxa de pobreza do trabalhador.
“Esses dados apontam que, apesar de progressos, a superação da pobreza requer atenção específica a essas categorias, dado que não houve eliminação completa das desigualdades”, diz ele, ao defender políticas públicas direcionadas a grupos mais vulneráveis.
Por escolaridade, o maior nível de pobreza entre trabalhadores ocupados está no grupo dos sem instrução ou até o ensino fundamental incompleto (27%) e menor entre aqueles que com ensino superior completo (2,1%). A pobreza também é maior entre aqueles sem carteira de trabalho assinada (23,4%) e que trabalham por conta própria (18,8%), ante funcionários públicos e militares (3%) e quem tem carteira assinada (9,1%).
Por cor ou raça, a parcela de trabalhadores pobres de cor preta ou parda é de 19,1%, ante 8,2% daqueles de cor branca. Por gênero, no entanto, o perfil é diferente do que geralmente ocorre: a pobreza é maior entre trabalhadores homens (15,4%) que entre trabalhadoras mulheres (12,8%).
Por grupo de atividade, a agropecuária é aquela com maior percentual de trabalhadores pobres (33,1%) – mais que o dobro dos 14,2% da média – seguida por serviços domésticos (25,3%) e construção (21,1%). Por outro lado, o setor de administração pública, saúde e serviços sociais é aquele com o menor índice (6%).
O Nordeste é a região com maior incidência de pobreza entre os trabalhadores ocupados. Quase 30% (29,6%) de quem ocupa alguma vaga de trabalho na região vive em domicílios em que renda per capita está abaixo da linha da pobreza. Na outra ponta, o menor percentual é no Sul, com 6,6%.
FOTO: IBGE
FONTE: https://www.obinoadvogados.com.br/conteudo/pobreza-e-realidade-para-142-dos-trabalhadores/