A cúpula entre o presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, marcou um ponto de inflexão na diplomacia global.
Na cúpula em Anchorage, Putin saiu fortalecido ao romper o isolamento, contornar a armadilha do cessar-fogo, impor sua agenda para a paz duradoura na Ucrânia e reposicionar a Rússia como ator central do mundo multipolar, enquanto Trump teve de reconhecer o novo tabuleiro geopolítico.
Por José Reinaldo Carvalho
A reunião entre Vladimir Putin e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em Anchorage, marcou um ponto de inflexão na diplomacia global. O encontro explicitou a nova correlação de forças: a Rússia, que muitos julgavam encurralada, isolada, à beira da fragmentação e da derrota, ocupou com vigor o centro das negociações de segurança europeia e de reordenação do quadro mundial. Moscou recuperou a voz e o protagonismo, e o fez defendendo, sem tergiversar, uma solução de paz que ataque causas e não apenas os sintomas do conflito na Ucrânia.
A cúpula, sob o lema “buscar a paz”, foi um palco que, por si, representou o retorno de Putin ao circuito de alto nível das conversas com Washington. O encontro terminou sem acordo imediato de cessar-fogo, mas com a sinalização de continuidade das tratativas e um clima de respeito mútuo que rompeu a narrativa de isolamento absoluto do Kremlin.
Do ponto de vista de Putin, houve uma vitória política e diplomática dupla. Primeiro, pela reinserção da Rússia no concerto internacional: o tapete vermelho, literal e metafórico, de Anchorage, a coreografia da recepção e a cordialidade percebida nas interações bilaterais funcionaram como certificação de que ninguém encerra a guerra na Europa sem Moscou à mesa. Segundo, porque a agenda central apresentada por Putin prevaleceu no debate: não se trata de um cessar-fogo como armistício de fachada, que congelaria linhas de frente e abriria tempo para o rearmamento da Ucrânia sob patrocínio da União Europeia, mas de configurar uma arquitetura de paz duradoura que elimine as causas originais do conflito deflagrado em fevereiro de 2022. Esta foi a linha dominante ao final da cúpula.
Trump, por sua vez, se viu compelido a reconhecer que qualquer caminho realista passa por uma negociação abrangente sob a égide russa. Ele não saiu com o troféu de um cessar-fogo instantâneo, e teve de admitir em declarações à imprensa no sábado que só é possível avançar num caminho para a paz duradoura partindo das premissas apresentadas por Moscou. Aparentemente, resigna-se ao inevitável, como quem nada pode fazer contra o que tem de ser. Como tudo o que se refere à conturbada e volátil conjuntura internacional, é algo que somente o desdobramento da situação poderá atestar. Mas reflete a realidade nas 24 horas posteriores à cúpula.
Ao deslocar o eixo da discussão, Putin também devolveu à Ucrânia a responsabilidade por não obstaculizar a busca da solução política, o que se faz acompanhar da concessão de garantias de segurança à Ucrânia, fora do guarda-chuva de expansão da OTAN, como elemento para se chegar a um acordo abrangente. Essa combinação de responsabilidade compartilhada com a Ucrânia e garantias pode facilitar o desenvolvimento da futura negociação, retirando a construção da paz do campo da retórica e tornando letra morta as alegações de Bruxelas.
Há, adicionalmente, um ganho estratégico para Moscou: o passo dado para estabilizar as relações com Washington abre a possibilidade de repactuar temas sensíveis, como sanções, energia, controle de armamentos e regras de não expansão militar e nuclear, para construir, gradualmente, as condições que permitam remover medidas unilaterais prejudiciais à economia russa.
No plano sistêmico, Anchorage reafirma algo maior: vivemos, de fato, sob novas condições geopolíticas. A multipolaridade deixou de ser uma possibilidade, um alvo a atingir, para tornar-se fato incontornável. A Rússia é parte essencial desse desenho, não como satélite, mas como polo estratégico capaz de alterar o quadro mundial.
Essa tendência se expressa também no adensamento do BRICS, cuja agenda de coordenação financeira, infraestrutura, e posicionamento geopolítico também se impõe, percorrendo ínvias encruzilhadas, contra o monopólio e a hegemonia das potências imperialistas ocidentais.
Para o Brasil, situar-se com inteligência nesse campo corresponde aos interesses nacionais, quando o país é acossado e ameaçado pela tática de pressão máxima do inquilino da Casa Branca, que pressurosamente prepara uma operação de “mudança de regime” contra o Gigante do Cruzeiro do Sul. A atuação proativa como força propulsora da multipolaridade e o pertencimento pleno ao BRICS abre portas a investimentos, tecnologia e autonomia decisória em um ambiente em que nenhum ator isolado dita as regras do jogo.
Voltando a Anchorage: defender a paz, neste contexto, é defender um acordo que remova as causas da guerra e retire a Ucrânia da condição humilhante de satélite e bucha de canhão das potências imperialistas ocidentais em perseguição à quimérica meta de fragmentar a Federação Russa.
O caminho aberto em Anchorage, a linguagem da cúpula e o imediato pós-cúpula indicam que a janela para uma paz duradoura não está fechada; ela exige método, paciência e a aceitação da multipolaridade e da força da Rússia como base da nova correlação de forças internacional.
FOTO: Sputnik / Sergei Bobylev
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/putin-obtem-vitoria-diplomatica-e-politica-ao-propor-a-paz-a-duradoura