STF enfrenta críticas da Casa Branca, que alega supressão de vozes digitais, enquanto redes sociais amplificam mentiras que destroem a democracia brasileira.
Cresci acreditando que a liberdade de expressão era a alma da democracia: um escudo para o pensamento crítico, uma ponte para o diálogo, um antídoto contra tiranias. Mas a vida me ensinou que nada é tão puro. Palavras, quando usadas para caluniar ou manipular, tornam-se lâminas afiadas.
A liberdade, sem a ética como bússola, vira licença para o caos. E quantas vezes, ao longo da vida, tratei disso com meus alunos nos cursos de jornalismo.
Vejo extremistas — dos radicais trumpistas e europeus aos bolsonaristas — usarem as redes sociais como palco para crimes digitais. Escondem-se na retórica da “liberdade” para espalhar mentiras, inflamar ódio e atacar reputações.
Quando confrontados, gritam “censura”, como se a verdade fosse inimiga da democracia. É um roteiro velho, mas perigoso, que transforma o debate público em campo de batalha.
Ontem à tarde, 12 de agosto, a Casa Branca divulgou o relatório do Departamento de Estado sobre direitos humanos no mundo. O capítulo sobre o Brasil aponta uma piora em 2024. O Supremo Tribunal Federal (STF), liderado pelo ministro Alexandre de Moraes, suspendeu mais de cem perfis na rede X, majoritariamente de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. As decisões, muitas vezes secretas, foram criticadas por falta de transparência. Tudo isso é falseado e vendido como verdade no mencionado relatório.
O documento americano acusa o STF de restringir a liberdade de expressão. As suspensões, segundo o relatório, foram amplas e desproporcionais, mirando vozes políticas em vez de conteúdos que incitassem violência. A ausência de devido processo legal, diz o texto, alimentou a desconfiança nas instituições. É um sinal de que o combate à desinformação pode, sem cuidado, sufocar o pluralismo. Nada mais delirante do que isso.
O STF também foi criticado por rotular discursos desfavoráveis como “discurso de ódio”. Nele, é afirmado que, em vez de punir incitações claras à ilegalidade, as medidas atingiram apoiadores de Bolsonaro, comprometendo o debate democrático. O relatório sugere que ações mais precisas preservariam o diálogo. Num Brasil polarizado, onde o ar já é pesado, isso exige reflexão urgente.
Os números confirmam o que observo. O Digital News Report 2024, do Reuters Institute, revela que 54% dos brasileiros receberam fake news políticas no WhatsApp ou no Telegram. A Universidade Federal de Minas Gerais apontou que, em 2022, sete em cada dez mensagens falsas circularam em grupos fechados, fora do alcance da checagem. A SaferNet registrou, em 2023, um aumento de 41% nos ataques virtuais à honra.
As redes sociais amplificam o problema. Algoritmos premiam a indignação, impulsionam mentiras e transformam o espaço público em arena de linchamento digital. As big techs, obcecadas por engajamento, são cúmplices. A verdade, lenta e frágil, mal consegue competir. Cada falsidade aceita como “opinião” corrói um pouco mais a democracia.
O relatório divulgado no salão de imprensa da Casa Branca insere o Brasil num debate global. A verdade é que, após os ataques de 8 de janeiro de 2023, o STF intensificou o combate à desinformação. Mas, como aponta o documento, a opacidade das ações gera suspeitas de censura. Especialistas sugerem punições focadas em conteúdos ilegais, como incitações à violência, para evitar a percepção de perseguição política. O equilíbrio passa muito longe das argumentações e das conclusões: a ausência de informações verdadeiras sobre o Brasil torna o relatório peça de ficção de quinta categoria.
Vejo líderes populistas, do Brasil aos EUA, usarem a liberdade como escudo para agredir. Transformam adversários em alvos, reputações em cinzas.
O espaço público, que deveria ser um fórum de ideias, vira um campo de extermínio simbólico. A polarização, alimentada por plataformas como X e Telegram, só agrava o cenário. Descobertas em flagrantes contínuos, as plataformas vestem um figurino de vítimas em vez de algozes da liberdade.
Defender a liberdade de expressão, para mim, é proteger a crítica legítima, não o vale-tudo verbal. É garantir que a palavra ilumine, não incendeie. O relatório da Casa Branca, em si, pode ser um convite insidioso ao uso deturpado da liberdade, ao transformar o certo em errado, o justo em injusto, o verdadeiro em falso.
Liberdade de expressão nunca foi, nem será, liberdade de agressão ou falsificação da própria essência contida na palavra e no conceito de liberdade. Quando a mentira se traveste de direito, a verdade vira exceção. E, nesse momento, a democracia perde a voz. O desafio é claro: combater a desinformação sem silenciar o dissenso.
Sem isso, a liberdade que prezo será apenas um troféu nas mãos de quem despreza a verdade. Que a verdadeira liberdade abra suas asas sobre nós.
Foto: Pedro França/Agência Senado
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/relatorio-americano-revela-liberdade-capturada-por-narrativas-falsas