Análises recentes indicam que Washington retoma diretrizes da Doutrina Monroe no governo Trump, ampliando tensões na região.
247 – A ofensiva diplomática e militar dos Estados Unidos na América Latina voltou ao centro das análises geopolíticas. Reportagem publicada pela RT Brasil aponta para uma reaproximação explícita do governo norte-americano — sob a liderança do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump — com os princípios que moldaram a chamada Doutrina Monroe.
Esse movimento retoma uma lógica histórica de influência direta sobre países latino-americanos, agora impulsionada por novas nomeações políticas, operações militares e retórica agressiva contra governos progressistas e rivais estratégicos como China e Rússia.
Uma doutrina antiga com novos contornos
Formulada em 1823 por James Monroe, a diretriz que defendia “a América para os americanos” nasceu como um aviso às potências europeias. Com o tempo, tornou-se justificativa para intervenções dos EUA no hemisfério. O pesquisador argentino Leonardo Morgenfeld, autor de Nossa América Diante da Doutrina Monroe: 200 Anos de Conflito, afirma que essa política sempre foi sustentada pela visão depreciativa de que a região seria “o quintal” de Washington.
No segundo mandato de Trump, a reativação desse discurso tornou-se evidente. Apesar de prometer o fim das guerras externas, o presidente concentrou esforços em pautas como migração, combate ao narcotráfico e pressões diretas sobre países latino-americanos, contrariando expectativas de que a região não seria prioridade em sua agenda geopolítica.
Nomeações estratégicas e gestos provocativos
A nova guinada ficou clara com a escolha de figuras alinhadas à extrema direita para postos-chave: Marco Rubio como Secretário de Estado, Mauricio Claver-Carone como enviado especial e Christopher Landau como subsecretário. Todos são conhecidos por hostilidade aberta a governos de esquerda.
Antes mesmo de reassumir o cargo, Trump reivindicou influência sobre áreas estratégicas — do Canal do Panamá ao Golfo renomeado como “Golfo da América”. Também declarou que o México estaria “controlado por cartéis”, preparando terreno para ações extraterritoriais contra grupos criminosos.
Já nos primeiros dias de governo, decretou emergência nacional para militarizar a fronteira, suspendeu o mecanismo CBP One, autorizou deportações em massa e classificou cartéis como “organizações terroristas”. Medidas adicionais, descritas pelo pesquisador venezuelano Franco Vielma, incluíram tarifas punitivas contra Brasil e México, estigmatização de migrantes e novas pressões contra Cuba, Nicarágua e Venezuela.
A visão de Washington para a região
Rubio deixou claro o norte da política externa. Em viagem por países da América Central e do Caribe, declarou: “Isso acaba agora”, em referência ao que considerava negligência histórica de Washington em relação à região. Ele afirmou que Trump está disposto a usar “toda a influência dos EUA” e apontou que quem não cooperasse poderia enfrentar consequências. “Se você não acredita em mim, basta perguntar ao presidente [Gustavo] Petro”, declarou.
A estratégia também envolve a China. Rubio acusou Pequim de transformar países soberanos em “estados vassalos”, citando a presença chinesa no Canal do Panamá.
A linha dura reforça uma política de Estado mais ampla. Em 2023, Laura Richardson, então chefe do Comando Sul, afirmou que o controle dos vastos recursos latino-americanos — do lítio às reservas de petróleo, passando pela Amazônia — é uma questão de “segurança nacional” para os EUA. “Temos muito a fazer. Essa região importa”, ressaltou.
A disputa pela influência e o papel dos governos progressistas
A resistência ao domínio estadunidense ganhou força a partir do ciclo progressista iniciado com Hugo Chávez em 1998, que abriu caminho para a criação ou fortalecimento de blocos como Mercosul, Unasul, Celac e Alba.
Washington reagiu com pressões econômicas, apoio a golpes parlamentares, lawfare, sanções e reorganização da OEA sob a gestão de Luis Almagro. Paralelamente, consolidou alianças com governos de direita e apoiou ações sediciosas contra administrações como as de Venezuela, Nicarágua e Cuba.
Com a oscilação política na região, espaços de integração foram enfraquecidos, enquanto surgiram fóruns alinhados aos interesses dos EUA, como o Prosur e o Grupo de Lima.
Apesar disso, líderes como Andrés Manuel López Obrador, Claudia Sheinbaum, Gustavo Petro e Lula mantêm posições críticas a excessos norte-americanos — mesmo buscando preservar canais de diálogo.
Um tabuleiro em transformação
A região se encontra num ponto de inflexão. Além de pressões militares e diplomáticas, os EUA têm condicionado apoio econômico a vitórias eleitorais da direita, interferido em processos judiciais e exercido pressão tarifária contra países que contrariem seus interesses.
Para muitos analistas, revitalizar a integração regional é a única saída. A senadora colombiana María José Pizarro sintetizou essa necessidade ao defender “modelos reais de integração”, capazes de ir além de encontros protocolares e promover cooperação econômica e política profunda.
A ausência de unidade latino-americana, porém, segue favorecendo relações assimétricas baseadas no extrativismo, no comércio desigual e na subordinação diplomática.
A intensificação das ações de Washington mostra que a águia estadunidense voltou a estender suas asas sobre o continente, em um cenário em que os países da região terão de decidir se resistem a essa investida ou se permitem a continuidade de uma influência que há dois séculos molda, limita e redefine sua soberania.
FOTO: Foto oficial da Casa Branca por Emily J. Higgins.
FONTE: https://www.brasil247.com/americalatina/retorno-da-interferencia-dos-eua-reacende-disputa-sobre-soberania-latino-americana