A ideia de que a Sibéria pode se tornar uma nova fronteira agrícola global com o avanço do aquecimento global é cada vez mais discutida por cientistas e analistas geopolíticos. Com vastas áreas de terra até hoje congeladas ou inaptas para a agricultura, a Sibéria — que ocupa mais de 13 milhões de km² da Rússia (cerca de 77% de seu território) — pode ter partes significativas tornadas aráveis nas próximas décadas, à medida que as temperaturas médias aumentam e o permafrost começa a derreter.
1. Mudanças climáticas e o derretimento do permafrost
Nos últimos 50 anos, a temperatura média na Sibéria já subiu mais de 2,5ºC, acima da média global. Em 2020, a cidade siberiana de Verkhoyansk registrou impressionantes 38ºC, a maior temperatura já registrada dentro do Círculo Polar Ártico.
Essa elevação de temperatura acelera o derretimento do permafrost, o solo permanentemente congelado que cobre mais de 65% da Rússia. À medida que esse solo descongela, ele libera terras antes inutilizáveis para a agricultura. Estimativas do IPCC sugerem que até 40% do permafrost superficial da Sibéria pode derreter até o fim do século, tornando essas áreas acessíveis ao cultivo de grãos e outras culturas.
2. Potencial agrícola crescente
Estudos do Instituto de Geografia da Academia de Ciências da Rússia indicam que, com o aumento de temperatura, entre 10% e 15% da Sibéria Ocidental pode se tornar apta para agricultura comercial até 2080. Isso representa uma área potencialmente maior que a França.
Além disso, o zoneamento agroclimático está mudando: a linha de cultivo de trigo, por exemplo, já avançou centenas de quilômetros ao norte nos últimos 30 anos. O governo russo estima que a área cultivável possa crescer em até 50 milhões de hectares, o que representa quase o total da atual área agrícola do Brasil.
3. Aproveitamento econômico e geopolítico
O governo russo já vem incentivando a ocupação e desenvolvimento agrícola da Sibéria. Em 2016, foi aprovado um programa de “terra grátis” para quem se dispusesse a colonizar áreas do Extremo Oriente russo. Além disso, investidores chineses têm se interessado por terras siberianas: estima-se que mais de 100 mil hectares já estejam sob cultivo com participação chinesa em regiões como Amur e Zabaykalsky.
4. Limites e riscos
Apesar do potencial, há enormes desafios:
O solo siberiano tem baixa fertilidade e alto teor de ácido húmico, exigindo correção para cultivos comerciais. O derretimento do permafrost pode liberar grandes volumes de gás metano, agravando o aquecimento global. A infraestrutura (logística, energia, armazenagem) é escassa ou inexistente em grande parte da região. O desmatamento e a transformação acelerada da paisagem podem causar desequilíbrios ecológicos severos.
5. Conclusão
A Sibéria pode sim se tornar uma nova fronteira agrícola global nas próximas décadas, graças ao aquecimento global, o que teria implicações geopolíticas significativas. A Rússia poderia se consolidar ainda mais como grande exportadora global de alimentos, ao lado dos EUA e Brasil. No entanto, o custo ecológico e técnico de tal transformação pode ser alto, e o processo exigirá investimento massivo em infraestrutura, ciência agrícola e manejo ambiental.
Se o século XX foi marcado pelo avanço agrícola no Cerrado brasileiro e nas planícies norte-americanas, o século XXI pode testemunhar a “savanização” agrícola da Sibéria — com todas as promessas e riscos que isso envolve.
FONTE: https://www.paulogala.com.br/siberia-verde-a-nova-fronteira-agricola-global-no-seculo-xxi/