Associação Brasileira dos Jornalistas

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Soberania ampla, geral e irrestrita

Vejo um país onde a Constituição é ignorada, o povo segue humilhado e a transparência virou promessa vazia dos que detêm o poder.

O vocábulo soberania possui terminologia e significado próprios. Vejamos sua etimologia: vem do latim superanus, que significa “acima”, “superior”. Não reconhecer nenhum poder acima de outro é o emblema da palavra soberania.

Será que nosso povo é soberano em suas decisões? O artigo 1º da Lei Maior nos traz algumas pistas:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Será que a dignidade da pessoa humana se reflete em mortes como a de Manoel?

“Manoel Ferreira da Silva Neto, de 33 anos, foi encontrado cerca de 2,5 quilômetros de distância do local do acidente e não teria recebido o atendimento adequado. O Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Mogi das Cruzes investiga o caso. Existe um vídeo que mostra socorristas do Samu abandonando o ferido em uma localidade e, depois, quando a polícia chegou, também não prestou nenhum socorro a este brasileiro, que morreu”.

Quantas estatísticas expõem esses desregramentos sociais em nossas metrópoles, onde Marias, Manoéis, Sandras, Nicoles e milhares de outros seres humanos jazem, perdendo suas vidas em um país onde (ainda) falta transparência e igualdade? Nas redes, soçobra a transparência diante das bolsas milionárias portadas por abastados que fizeram seu caminho de pedras preciosas à custa do sangue explorado de um povo gestado para servir.

E, falando em transparência, como encontrá-la? A palavra “transparência” remete à propriedade daquilo que é transparente. Dizer que algo é “transparente”, por sua vez, significa literalmente afirmar que determinado objeto “permite a passagem da luz, de modo que aquilo que está por detrás fique inteiramente visível” (Michaelis, 2019).

Desse conceito inicial vem a ideia de transparência que nos interessa aqui, aplicada às instituições e, em particular, aos órgãos públicos. O que seria, então, uma instituição transparente? Trata-se, na verdade, de metáfora muito usada atualmente para descrever instituições que adotam processos de publicização de seus dados, no sentido de permitir que pessoas de fora de sua estrutura possam acessar suas informações.

O Estado é um elemento fundamental nesse processo, não só pela obrigação legal que tem de fornecer dados de interesse público, mas principalmente pela quantidade e qualidade das informações que possui. O desenvolvimento social, cívico e econômico de uma nação pode ser fomentado pela abertura dos dados que o Estado detém. Entre as diversas vantagens da ampliação da política de dados abertos, destacam-se:

  • Maior transparência e controle cívico do governo;
  • Mais colaboração e participação social nas decisões públicas;
  • Promoção da inovação tecnológica e social;
  • Melhoria na prestação, na eficiência e no impacto dos serviços públicos.

O salário mínimo vigente no país é de R$ 1.518,00. O salário mínimo é um grilhão (Diário Causa Operária), o que também fere o inciso III do artigo 1º da Constituição, que trata da soberania do povo. Como “ser feliz” com um valor mensal que limita os horizontes do bem comum?

É preciso uma boa escuta, uma boa hermenêutica para analisar textos jurídicos, religiosos e científicos, a fim de que consigamos — por meio de uma transparência efetiva (tão amparada por vasta legislação) — colocar o pobre, o povo abandonado, no orçamento, pelas asas da soberania ampla, geral e irrestrita…

Foto: Arquivo/ABr

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/soberania-ampla-geral-e-irrestrita