Aos 81 anos, Joseph Stiglitz preserva a sabedoria e a verve que lhe renderam um Nobel.
Aos 81 anos, Joseph Stiglitz preserva a sabedoria e a verve que lhe renderam um Nobel, em 2001. A entrevista do economista americano a Vivian Oswald, do Valor Econômico, publicada na quarta-feira (2), mostra a lucidez renovada de quem percebeu, há muito tempo, que o neoliberalismo só leva à desigualdade, ou que os donos do dinheiro portam as bandeiras neoliberais para perpetuar essa desigualdade.
E não só de filigranas econômicas compõe-se o pensamento de Stiglitz. Sua ideia de justiça em tempos de Elon Musk, por exemplo, é inquestionável: “As novas tecnologias ampliaram a capacidade de espalhar erros e desinformação, alguns dos quais muito perigosos para a nossa sociedade, de uma forma ou de outra. (…) Então, nenhuma pessoa, seja Elon Musk, a pessoa mais rica do mundo, ou quem quer que seja, deve se considerar acima da lei. E Musk disse basicamente que está acima da lei. Ele diz ‘você não tem o direito de me regular’. E está absolutamente errado”.
Em seu último livro, lançado em abril, “The Road to Freedom: Economics and the Good Society”, Stiglitz escreve com todas as letras que mercados sem restrições nada fazem a não ser gerar crises. Tampouco está, a iniciativa privada, preocupada com as mudanças climáticas, problema global mais urgente. Eis o que ele disse a Vivian Oswald: “O setor privado está interessado em lucros. Quando há lucros, entra. (…) O clima é um investimento a longo prazo. E o setor privado é excessivamente avesso a risco, e não sabe avaliar o risco. (…) O setor privado tem muitos pontos fortes, mas temos também de reconhecer suas limitações quando falamos em alterações climáticas ou de questões como a justiça social, investimentos de longo prazo”.
Na hora em que o BNDES retoma seu papel de indutor do desenvolvimento, encontra-se em Joseph Stigliz a explicação simples, óbvia e precisa para tal conduta: “Passamos por um período em que comprometemos ideologicamente o papel dos bancos de desenvolvimento. Acho que foi errado. O setor privado tende a ter o problema de ser demasiado míope e demasiado avesso ao risco. Os bancos de desenvolvimento podem ter uma visão de longo prazo e assumir riscos maiores, como o associado ao BNDES, que ajudou a desenvolver a Embraer e alguns dos combustíveis à base da cana-de-açúcar, que são muito importantes para evitar as alterações climáticas”.
Por óbvio, Stiglitz é um anti-Trump. Ele diz ver um “populismo perigoso”, ainda não vencido, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil: “Não vemos isso tanto na Suécia, na Dinamarca ou na Noruega. Vemos nos Estados Unidos, em lugares onde as pessoas não têm emprego, a saúde é fraca, não há oportunidades. Então, você tem esse tipo de desespero. E é a partir desse desespero que as pessoas recorrem a gente como Trump ou Bolsonaro”.
A falsa liberdade defendida nos discursos de rematados direitistas – Donald Trump, Jair Bolsonaro, Javier Milei, Pablo Marçal e tantos outros – também está no radar de Joseph Stiglitz, para quem a economia é, definitivamente, uma disciplina humana e, portanto, os economistas não podem fechar os olhos para os movimentos anticivilizatórios: “Quando vivemos de forma integrada (numa pandemia, por exemplo), se eu não me vacinar ou usar máscara, há uma chance você morrer. São ações que você sabe que podem te machucar. Se eu carregar uma AK-47, você pode morrer. Isso pode prejudicar sua liberdade. E é tão óbvio, mas eles simplesmente não reconhecem isso. Se eu poluir o ar e você tiver asma, você morre. A liberdade de uma pessoa é a falta de liberdade de outra”.
Cumprimentos a Vivian Oswald pela ótima entrevista.
Foto: Divulgação / TV Brasil
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/stiglitz-um-farol-contra-o-absurdo-neoliberal