A adoção de um modelo de “força total”, como o que Tarcísio admira em El Salvador, teria efeitos devastadores no Brasil.
A Construção de um Personagem e a Ilusão da Moderação
À medida que o Brasil entra no decisivo ciclo político de 2026, a direita tradicional, a extrema direita e o bolsonarismo buscam consolidar um nome capaz de disputar o Planalto. O nome encontrado é Tarcísio de Freitas (Republicanos). Engenheiro, ex-ministro da Infraestrutura e atual governador de São Paulo, ele tenta vender a imagem de gestor moderado, pragmático e distante dos excessos do bolsonarismo. Mas basta observar sua trajetória e suas escolhas políticas para perceber que a moderação é apenas um instrumento retórico, não uma convicção programática.
Nos últimos meses, Tarcísio multiplicou encontros com investidores, onde atribuiu a Paulo Guedes méritos que o ex-ministro jamais comprovou, repetiu a ladainha de que a iniciativa privada “faz quase tudo melhor” do que o Estado e reafirmou sua adesão à cartilha neoliberal. É uma visão deslocada do tempo histórico.
Em 2025, o mundo inteiro — dos Estados Unidos à União Europeia, da Coreia à Índia e até parte da África — opera sob lógica de política industrial, proteção tecnológica e reindustrialização acelerada. Tarcísio insiste em oferecer ao Brasil um manual velho para um mundo que já mudou.
O Entusiasmo com Bukele e a Tentação Autoritária
O ponto mais revelador do projeto de Tarcísio está, porém, na segurança pública. Ele não apenas elogia, mas exibe como referência o modelo de Nayib Bukele em El Salvador — um regime que acumula denúncias de organizações internacionais por prisões arbitrárias, suspensão de garantias constitucionais e militarização da vida civil. O mega-presídio que se tornou símbolo do bukelismo é celebrado por extremistas mundo afora justamente porque representa a negação da democracia sob o pretexto da eficiência.
Ao anistiar simbolicamente Bolsonaro em seus discursos, ao lançar ataques ao Supremo Tribunal Federal e ao defender medidas como prisão perpétua, Tarcísio sinaliza nitidamente que sua estratégia eleitoral passa por incorporar, sem disfarces, a estética e a agenda autoritária que moldaram o bolsonarismo.
É uma tentativa de permanecer viável dentro de um campo político que nunca aceitou limites democráticos. Nada disso compõe o retrato de um moderado; compõe o retrato de alguém que sabe onde está sua base real de sustentação.
A adoção de um modelo de “força total”, como o que Tarcísio admira em El Salvador, teria efeitos devastadores no Brasil. Importada para um país continental, com 215 milhões de habitantes, desigualdades históricas e forças de segurança já submetidas a enorme pressão, essa lógica produziria um sistema de exceção permanente: prisões superlotadas funcionariam como incubadoras do crime organizado, comunidades inteiras seriam tratadas como territórios inimigos, a violência letal do Estado aumentaria sem reduzir o poder das facções e o tecido institucional — já frágil — sofreria corrosão acelerada.
Em vez de atacar causas estruturais, esse modelo desloca o eixo da política pública para a lógica da punição ilimitada, alimentando autoritarismo, desprezando o devido processo legal e fragilizando garantias constitucionais que sustentam a democracia. Adotar essa via no Brasil significaria renunciar a soluções inteligentes, baseadas em investigação, inteligência e prevenção, para abraçar um caminho que pode até produzir manchetes de impacto, mas que destrói lentamente a capacidade do país de se governar dentro das regras do Estado de Direito.
Além disso, o respaldo público de Tarcísio à mais recente ação policial no Rio de Janeiro — uma operação que deixou 121 mortos, a mais letal da história do país em uma intervenção policial — revela concretamente o tipo de política de segurança que ele pretende levar ao Palácio do Planalto. Dois dias após a chacina ele prestou solidariedade ao governador do Rio, elogiando a operação como “bem planejada e executada” e afirmando que o combate ao crime organizado deve “devolver às pessoas o direito de viver com segurança e dignidade” Poder360.
Esse gesto não pode ser interpretado como mera retórica: representa o aval explícito a uma estratégia de guerra contra comunidades vulneráveis, onde o Estado assume a prerrogativa de decidir quem vive e quem morre — a institucionalização da letalidade estatal como política de governo. Esse precedente inviabiliza qualquer narrativa de moderação ou competência técnica, mostrando que, sob o verniz da ordem, há um projeto de repressão maximalista, de criminalização em massa e de sacrifício sistemático das populações periféricas, em nome de um ideal de segurança que se confunde com guerra interna.
Um Candidato Pequeno para um Mundo Grande
O problema central é que o Brasil de 2026 — e o mundo que se abre diante de nós — exige um grau de complexidade que Tarcísio não demonstra possuir. Estamos entrando num período de tensões geoeconômicas intensas: o confronto tarifário entre Estados Unidos e China se agravou ao longo de 2025; a Europa enfrenta estagnação econômica e crise energética; o Oriente Médio vive riscos de escalada permanente; a Rússia, a Ucrânia e toda a Eurásia operam em estado de alerta; e a América Latina volta a ser alvo de pressões estratégicas dos EUA. Ao mesmo tempo, a transição climática acelera disputas por minerais críticos, cadeias verdes e investimentos em energia limpa.
O Brasil, após sediar a COP-30 e consolidar sua liderança ambiental, emerge como ator central no Sul Global. O país ocupa posição destacada nos BRICS ampliados, renegocia acordos comerciais, disputa atração de investimentos estratégicos e busca reposicionamento em cadeias de tecnologia e infraestrutura. Para navegar esse mundo, é preciso capacidade de leitura estratégica, visão internacional, articulação diplomática e compreensão profunda de como se integram economia, tecnologia, clima e segurança — atributos que não se improvisam, tampouco se obtêm por slogans.
Tarcísio não apresenta nada disso. Ele opera — na economia, na segurança, na política externa — com categorias ultrapassadas, slogans autoritários e uma visão provinciana do lugar do Brasil no mundo. Em vez de refletir a grandeza do país, encolhe o horizonte. Em vez de compreender a complexidade do século XXI, abraça simplificações perigosas. Em vez de projetar futuro, repete a fórmula que fracassou: Estado mínimo, repressão maximalista, submissão ideológica e dependência externa.
Ah! Tarcísio tem uma proposta sim: conceder indulto ao criminoso, condenado a vinte sete e três meses de prisão, ex-presidente do Brasil (o Jair) que está preso por tentativa de Golpe de Estado.
Só lembrando: os crimes pelos quais ele foi condenado são:
- Organização criminosa armada
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito
- Golpe de Estado
- Dano ao patrimônio público qualificado por violência e grave ameaça
- Deterioração de patrimônio tombado
O Brasil precisa de grandeza, capacidade de Estado, inteligência estratégica, proteção da democracia e visão global. Nada disso se encontra no projeto representado por Tarcísio de Freitas. E essa é a razão, objetiva e incontornável, pela qual ele não reúne condições de ser presidente do Brasil num mundo que se torna mais complexo, competitivo e exigente a cada dia.
Tarcísio de Freitas é um nome pequeno para um país gigante.
Foto: Lula Marques/Agência Brasil
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/tarcisio-de-freitas-um-nome-pequeno-para-um-pais-gigante