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Tarifaço de Trump vai deixar Brasil cada vez mais próximo da China, diz Hussein Kalout

EUA se mostraram parceiro ‘não confiável’, afirma especialista.

A relação entre Brasil e China deve se tornar ainda mais relevante do que é hoje no futuro próximo caso o atual cenário protecionista, resultante das tarifas impostas por Donald Trump, seja mantido por mais tempo. Uma maior aproximação entre Brasil e China será consequência direta da nova política comercial americana pós-tarifaço, que deixou em segundo plano acordos bilaterais com outros países, diz Hussein Kalout, pesquisador da Universidade Harvard e conselheiro consultivo internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

“A tendência é que a relação com a China se torne cada vez mais estrutural, cada vez mais sinérgica”, disse Kalout, que foi secretário especial de assuntos estratégicos da Presidência da República no governo Michel Temer, em 2017. O resultado prático dessa política comercial, diz Kalout, será aproximar o Brasil cada vez mais da China: “Hoje o empresariado brasileiro tem desconfiança enorme em relação aos Estados Unidos porque eles [os EUA] se provaram como um parceiro não confiável.”

Prossegue Kalout: “Se, no passado, o Brasil tinha preocupação de exercer uma diplomacia de equilíbrio entre Washington e Pequim, essa estratégia americana [do tarifaço], somente danifica os interesses dos EUA”. A tendência, acrescenta Kalout, é que se fortaleça entre os empresários brasileiros a percepção de que a China é um parceiro comercial estável, diferentemente dos Estados Unidos. Isso porque o estabelecimento de acordos com a China não está condicionado a uma agenda política, como é o caso hoje com o governo americano. E essa realidade está clara para o empresariado brasileiro.

As mudanças no cenário global, como resultado da política tarifária americana, também vão conduzir a alterações geopolíticas, diz Kalout. Isso porque a aproximação da China com o Brasil vai se dar de forma paralela à busca por novos parceiros comerciais.

Sobre esse tópico, Kalout menciona artigo que escreveu para a “Foreign Affairs”, uma das mais respeitadas publicações na área de relações externas. No trabalho, Kalout diz que a aproximação do Brasil com a China se dará em um contexto no qual o país não deixará de lado a aposta no multilateralismo.

“A política externa brasileira tem consistentemente se abstido de adotar uma postura explicitamente antiamericana ou antiocidental”, escreve Kalout. E continua: “Em vez disso, o Brasil tem preferido uma abordagem diplomática multidirecional, fundamentada nos princípios de autonomia, pragmatismo e engajamento construtivo com uma gama diversificada de atores globais.” “Para Brasília, Pequim constitui um parceiro estratégico indispensável, mas Washington, mesmo após suas recentes ‘agressões’, continua sendo uma potência global insubstituível”, salientou. “Como resultado, o Brasil não considerou viável ou desejável a ideia de escolher entre Pequim e Washington”, afirmou. “Ainda assim, a postura cada vez mais confrontacional e coercitiva adotada pelo governo Trump abalou o cálculo diplomático do Brasil e acelerou sua inclinação geopolítica em direção a Pequim”, escreveu o pesquisador.

Kalout observou, ainda, que os movimentos do governo americano estão levando a uma descentralização de poder global, antes nas mãos dos Estados Unidos, com a consequente perda de influência mundial dos EUA.

“Se vier um novo ‘pacote’ de sanções, aí teríamos uma nova conjuntura”

— Hussein Kalout

As políticas tarifárias de Trump, prossegue Kalout, consistem em elevar compulsoriamente tarifas de importação sobre diversos países, em dois dígitos, sobretudo por motivações políticas. Esse tipo de decisão consiste, nas palavras dele, em “violação de normas e regras do sistema internacional” de comércio. Os países afetados, acrescenta, precisam buscar novas alianças, as quais também conduzem a novas parcerias políticas. “A melhor alternativa a curto e médio prazos é a diversificação de parcerias. Por isso cresce o desejo, se fortalece a tese da cooperação inter-regional, dos foros inter-regionais”, disse. “O caminho da diversificação não é uma escolha, não é uma opção. É obrigatório.”

Mas isso não significa que, com uma possível descentralização do poder global, os Estados Unidos tenham se tornado “um ator dispensável”, diz Kalout. Ele pondera: “É um ator relevante e importante. Mas não se pode ficar dependente de um governo altamente imprevisível” disse, lembrando que Trump ainda terá de três anos e meio de governo pela frente. E nesse período o Brasil terá que lidar com negociações comerciais com os Estados Unidos de Trump.

Kalout considera ainda que o Brasil deve ter cautela diante do tarifaço de Trump. “O cenário dos Estados Unidos é volátil, não é um cenário estável. Então, precisa ter muita frieza para operar, nesse momento, a política externa com o governo Trump. Não há como desenhar um cenário de médio prazo com um governo que muda de diálogo”, afirmou. O pesquisador observou que o Brasil já fez três movimentos importantes. Demonstrou, primeiro, que quer negociar. “Muitas delegações empresariais têm ido para Washington com o apoio do governo”, lembrou. O segundo movimento foi se colocar em posição de não confrontação e aberto à negociação, dando suporte às delegações empresariais nas viagens. “O terceiro foi de entrar na OMC [Organização Mundial do Comércio].” Em agosto, o Brasil acionou a OMC contra as tarifas impostas pelo governo de Trump. “Foi simbólico, no sentido de mostrar que o Brasil acredita em um sistema internacional [de comércio] baseado em regras”, disse Kalout.

O pesquisador não acha impossível que o governo americano imponha novas sanções comerciais, após o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, previsto para terminar este mês. A absolvição de Bolsonaro, aliado de Trump, foi posta como uma das condições, pelos Estados Unidos, para que as tarifas impostas às exportações brasileiras sejam revistas. “Se vier um novo pacote de sanções, aí teríamos uma nova conjuntura.”

FOTO: The White House

FONTE: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/09/09/tarifaco-de-trump-vai-deixar-brasil-cada-vez-mais-proximo-da-china-diz-hussein-kalout.ghtml