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Teto neoliberal de gastos derrota governo

A insistência no teto neoliberal de gastos coloca o Brasil em uma encruzilhada fiscal, onde o enfrentamento da desigualdade depende de escolhas impopulares.

A insistência da equipe econômica em perseguir déficit zero (receitas menos despesas, excluindo o pagamento de juros da dívida), indo até o superávit primário (gastar menos do que arrecada) de 1,5% do PIB em 2026, como prevê o arcabouço neoliberal, é a maior responsável pela derrota governamental da MP do IOF, no Congresso, nesta quarta-feira, com o objetivo de aumentar a arrecadação tributária. Agora, para obter mais recursos no caixa, de modo a enfrentar as despesas primárias, que ficarão descobertas, o jeito será alterar a meta de inflação de 3%, constante do tripé econômico, ao lado do câmbio flutuante e do superávit fiscal. Para tanto, o governo terá, se quiser flexibilizar o arrocho fiscal neoliberal, de convocar o Conselho Monetário Nacional, composto pela Fazenda, Planejamento e Banco Central. Os dois votos do governo, Planejamento e Fazenda, no CMN, venceriam o do BC, controlado pelo mercado financeiro especulativo, para permitir ao presidente Lula fugir do garrote fiscal em ano eleitoral, se ampliasse a meta inflacionária de 3% para, por exemplo, 5%.

Seria possível ampliar a oferta monetária, cujos resultados diminuiriam a taxa básica de juros, atualmente em 15% – a mais alta do mundo –, a fim de favorecer o aumento dos investimentos. Maior volume de investimentos, ampliando a oferta de dinheiro na circulação, para diminuir os juros, estabiliza os preços, sem exercer pressão inflacionária. Destaca-se que o compromisso com o déficit zero ou superávit primário, constante das regras do novo teto de gastos, implantado a partir de 2024, é decisão voluntária da equipe econômica, à revelia do Congresso. Ela, na prática, é resposta à pressão do rentismo especulativo, que pode ser revertida pelo Conselho Monetário Nacional, caso se altere a meta inflacionária.

Como diz o ex-ministro da Casa Civil do governo Lula, ex-deputado José Dirceu, que disputará, por São Paulo, novo mandato em 2026, a meta inflacionária restritiva na casa dos 3% é o busílis da questão econômica. Historicamente, o Brasil jamais alcançou inflação em patamar tão baixo. Afinal, sendo país onde tudo está por fazer, em matéria de infraestrutura, por meio de investimentos públicos, que se realizam ou não com maior oferta de crédito, a única variável econômica, verdadeiramente, independente do capitalismo, é, como diz o economista inglês John Maynard Keynes, o aumento da quantidade da oferta de moeda pela autoridade monetária (governo), na circulação capitalista. Quando ele atua nesse sentido, diz o autor da “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, produz quatro efeitos econômicos simultâneos e coordenados: 1 – eleva os preços; 2 – diminui os salários; 3 – reduz os juros e 4 – diminui a dívida contratada a prazo. Consequentemente, aumenta a eficiência marginal do capital (lucros). É, portanto, o momento – o único, no capitalismo, segundo Keynes – em que os empresários elevam os investimentos, quando veem claramente diante de si a possibilidade de reprodução lucrativa do seu capital.

Garrote fiscal impopular

Desde o crash de 2008, o maior desde o colapso de 1929, os Estados Unidos, afetados pela bancarrota do mercado financeiro, apertaram as cravelhas sobre os países capitalistas dependentes de poupança externa, como o Brasil e os latino-americanos em geral, para enquadrá-los às regras neoliberais. O receituário neoliberal, constante do Consenso de Washington, é o temido tripé neoliberal: 1 – câmbio flutuante; 2 – metas inflacionárias e 3 – superávit primário (receita menos despesas, excluindo o pagamento de juros). Metas inflacionárias cada vez mais restritivas são o remédio mais eficaz para cortar gastos sociais, que resultam no que o mercado financeiro mais aprecia: juros elevados. Estes, em escala crescente, ampliam a dívida pública, que não para de crescer, quanto mais restrita for a meta inflacionária, como mecanismo redutor de gastos. Como se torna impossível – especialmente, nos países dominados pela especulação que acelera a desigualdade social – alcançar inflação em nível tão baixo, a pressão dos credores é por redução de gastos sociais e privatizações de patrimônio público, notadamente, empresas estatais – no caso brasileiro, Petrobrás, Eletrobrás, empresas estaduais de energia e água etc. Entram no rol das privatizações, agora, até as escolas públicas. Os pretendentes às privatizações, ademais, são favorecidos pelo crédito público, liberado por bancos estatais de desenvolvimento (BNDES), para acelerá-las, inibindo, dessa forma, investimentos na ampliação da oferta e do consumo, que se torna caro, com ampliação de tarifas etc.

O golpe parlamentar neoliberal de 2016, que derrubou a presidenta Dilma Rousseff, por meio de impeachment sem crime de responsabilidade para caracterizá-lo, implantou congelamento de gastos públicos por 20 anos. Entrou em cena, desde então, o programa Ponte para o Futuro, do ex-presidente golpista Michel Temer, adequado ao Consenso de Washington, comprometido com as teses neoliberais. Tal programa continuou em 2018, com o ex-presidente Bolsonaro, aprofundando o desajuste econômico, no compasso do aumento da dívida pública, dos juros especulativos e da redução dos investimentos, limitados pela regra de congelamento dos gastos sociais por 20 anos. A vitória de Lula em 2022 traria, como novidade, novo teto de gastos, cuja base essencial foi a de perseguir déficit zero em 2024 e 2025 e superávit primário de 1,5% do PIB em 2026. Nesse contexto, o gasto público só pode crescer até 2,5% do PIB ao ano, o que o diminui relativamente, condicionado ao aumento de até 70% da arrecadação do ano anterior. Em tal contexto, a taxa de juros, mantida na casa dos 15% ao ano, impõe desembolso de R$ 1 trilhão em serviços, algo em torno de 8% do PIB, bloqueando investimentos produtivos.

Massas nas ruas

É nesse cenário que o presidente Lula luta contra o Congresso, dominado pelos neoliberais, para aumentar a arrecadação sobre os ricos e favorecer os mais pobres, barrando a desigualdade social. Nesta semana, ele, com sua base progressista minoritária, sofreu uma dura derrota. Os adversários reagiram já em disputa eleitoral: não querem aprovar projeto que garanta ao governo recursos, em forma de arrecadação, tirando dos que ganham mais (bancos e apostadores em bets), para distribuir aos que ganham menos, de modo a impedir aumento de popularidade governamental. Resta ao governo emitir novo decreto e ir às ruas para defender suas posições, ao mesmo tempo em que é forçado a mudar o arcabouço neoliberal, para dispor de mais recursos fiscais. Para tanto, terá que mobilizar a sociedade, como fez para aprovar a redução do imposto de renda para quem ganhar até R$ 5 mil/mês, chegando aos R$ 7,35 mil. A oportunidade para tal mobilização social das massas tem como motivação, agora, a luta pela supressão da jornada de trabalho na escala 6×1, bem como a materialização da promessa de fixar tarifa zero para os transportes coletivos. Só o apoio popular nas ruas, como demonstrou a vitória espetacular da isenção da cobrança do IR para a classe média, levará Lula à vitória na disputa eleitoral de 2026, vencendo o Congresso reacionário, conservador, dominado pelas elites escravocratas.

Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

FONTE: https://www.brasil247.com/blog/teto-neoliberal-de-gastos-derrota-governo