“O Brasil é um país que está sendo sancionado por ser mais democrático que o seu agressor” (Fernando Haddad).
Uma potência mundial que se empenha em subjugar outras nações, derrubando governos, financiando golpes, espionando países, fomentando e patrocinando guerras, censurando universidades e tratando imigrantes como inimigos de guerra, amparada por justificativas frágeis e insustentáveis, não pode, em hipótese alguma, ser reconhecida como democrática. A potência estadunidense, que historicamente vendeu ao mundo a imagem de um modelo incomparável de democracia, sob o governo Trump já não consegue sequer sustentar essa fachada.
Sob essa configuração temerária, o relatório anual do Departamento de Estado dos EUA, apresentado ao Congresso nesta semana, constitui um exemplo irrefutável do vazio semântico que permeia o conceito de “democracia” quando invocado pela Casa Branca.
Nesse documento, o governo norte americano acusa o Brasil de “reprimir desproporcionalmente o discurso de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro” este, réu por tentativa violenta de ruptura do Estado Democrático de Direito. Além de criticar o governo brasileiro, o relatório chega a classificar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, como “censor”, alegando que os direitos humanos no Brasil estariam deteriorados (informações do portal G1).
O texto ainda apresenta situações inverídicas, alinhadas a argumentos distorcidos que vem pautando as críticas e censuras ao Brasil, marcadamente político-ideológicas. Curiosamente, países aliados que mantêm históricos graves de violação dos direitos humanos não receberam a mesma reprimenda. É o caso de El Salvador, que opera um centro de detenção destinado a imigrantes enviados pelos próprios Estados Unidos, prática que não mereceu qualquer condenação no relatório.
Apesar do acúmulo de contradições e absurdos, as declarações presentes no documento não podem ser simplesmente relativizadas. Trata-se de acusações públicas, capazes de afetar a imagem internacional do governo e da Justiça brasileiros.
Esse episódio evidencia que o discurso sobre democracia, vindo de quem manipula governos, patrocina guerras e impõe sanções seletivas, não passa de instrumento de pressão geopolítica. Ao tentar deslegitimar o Brasil e suas instituições, os Estados Unidos buscam preservar uma influência global que se desfaz diante da ascensão de novas potências e da consolidação de uma ordem multipolar.
Os ataques incessantes de Trump como um atirador beligerante e desgovernado mirando em vários países revelam o desespero diante da perda gradual da supremacia americana e do colapso de sua política externa unilateralista. Ao recorrer a medidas tarifárias para pressionar outros países, ele acaba, ao contrário, estimulando o fortalecimento de alianças voltadas para uma nova ordem multipolar, mais inclusiva e descentralizada, a exemplo do BRICS. É nesse sentido que o governo brasileiro vem atuando.
Em 13/08, o presidente Luís Inácio, o vice Alkmin e o ministro da Fazenda Fernando Haddad divulgaram o plano de contingência aos empresários atingidos pelas sanções tarifárias impostas por Trump: Medida Provisória (MP)-Plano Brasil Soberano. Este prevê além de um auxílio inicial de 30 bilhões em crédito para socorrer os setores econômicos prejudicados, incentivos fiscais, criação de uma Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego com ações voltadas à preservação e manutenção dos postos de trabalho. Também prevê compras governamentais de alimentos perecíveis para usar em políticas públicas, como em merenda escolar.
Durante a assinatura da MP, o presidente Lula reforçou a continuidade das negociações com os EUA, mencionou que, por enquanto, não será aplicada medidas de reciprocidade tarifária àquele país. A respeito das críticas de Trump ao STF ressaltou com veemência a observância do devido processo legal nas ações penais que envolvem a tentativa de golpe de Estado. Reafirmou, ainda, ser a soberania do Brasil intocável.
Nesse mesmo contexto de defesa dos interesses nacionais, o presidente Luís Inácio mencionou as ligações que fez a vários chefes de Estado, com o objetivo de ampliar o mercado para produtos brasileiros antes exportados prioritariamente para os EUA, uma estratégia que já vinha sendo adotada antes mesmo da aplicação das sanções de Trump.
As viagens do presidente Lula ao exterior nesses dois anos e meio de governo, alvo de críticas pela mídia corporativa, sempre tiveram esse propósito de abertura de mercado para os produtos brasileiros. Assim foi feito na última viagem à República Popular da China e na recente viagem à França com o propósito de ampliar a integração deste país ao Mercosul. Futuramente já estão programadas outras viagens, como à Índia, entre outros países.
Ao comentar o discurso do presidente durante o lançamento do Plano Brasil Soberano, habilmente calibrado e assertivo, um dos jornalistas da mídia hegemônica sem encontrar o que criticar no conteúdo, limitou-se a afirmar que governo havia acordado para a necessidade de se abrir comercialmente ao mundo. A desfaçatez é notória, uma vez que esse mesmo jornalista e seus colegas passaram meses considerando que o presidente viajava demais ao exterior. O que ele omitiu, deliberadamente, é que essas viagens tinham como objetivo ampliar a inserção do Brasil no comércio internacional e diversificar parcerias estratégicas. Um jornalista eticamente comprometido reconheceria que Lula sempre se empenhou em intensificar as relações comerciais do país e faria essa constatação independentemente de orientações editoriais. No entanto, esperar tal postura de quem expressa sua análise para servir aos interesses e à linha ideológica de seu empregador é ignorar a falta de independência e de responsabilidade profissional que caracteriza boa parte da cobertura política da grande mídia.
Em pesquisa realizada pelo instituto Ipsos-Ipec entre 1º e 5 de agosto em que foram ouvidas duas mil pessoas em 132 cidades a respeito da onda tarifária trumpista ao Brasil, quanto à pergunta: O Brasil deve responder na mesma moeda, aplicando tarifas altas sobre os produtos americanos: 33% concorda totalmente, 16% concorda em parte, 13% discorda em parte, 30% discorda totalmente e 7% não sabe/não respondeu. Para 75% dos entrevistados, o tarifaço decretado imposto por Trump tem motivação política, 12% avaliou como uma medida de caráter comercial, 5% veem ambas as motivações e 8% não sabe/não respondeu.
Quanto à imagem dos EUA antes e após o tarifaço. Antes, 48% consideravam a imagem do país como “ótima” ou “boa”, contra 15% que tinham opinião negativa. Depois da vigência das sobretaxas, 38% afirmaram que a imagem dos EUA piorou, 6% disseram que melhorou e 51% não notaram mudança. Sobre a busca de novos parceiros comerciais 68% dos pesquisados consideram que o Brasil deve buscar outros parceiros comerciais como a China e União Europeia. A margem de erro é de dois pontos percentuais e nível de confiança de 95%.
O sentimento popular revelado nessa pesquisa expressa repúdio e rechaço dos brasileiros acerca das sanções imputadas ao país pelo governo de Donald Trump. As respostas dos pesquisados coadunam perfeitamente com a fala do ministro da Fazenda Haddad ao se pronunciar durante o anúncio do Plano Brasil Soberano. Haddad traduziu em exemplos a distância abissal entre uma democracia de verdade – Brasil, e outra que com Trump tornou-se apenas discursiva – EUA: “O Brasil é um país que está sendo sancionado por ser mais democrático que o seu agressor. É uma situação inédita e muito incomum no mundo. Um país que não persegue adversários, não persegue a imprensa, não persegue escritórios de advocacia, não persegue universidades, não persegue imigrantes legais ou ilegais está sujeito a uma retaliação injustificável do ponto de vista político e econômico.”.
O desespero da potência em declínio, dirigida por um governante autoritário e de personalidade delirante anunciou em 13/08, novas retaliações, desta vez, a dois funcionários do governo brasileiro, com revogação de vistos e restrições de visto de Mozart Júlio Tabosa Sales, secretário de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde e Alberto Kleiman, coordenador-geral para a COP30, ex-Assessor de Relações Internacionais do Ministério da Saúde e ex-diretor de Relações Externas da Opas, por suas participações no Programa Mais Médicos. Na nota, o secretário de Estado Marco Rúbio justificou as restrições pela: “cumplicidade com o esquema de exportação de mão de obra do regime cubano, no âmbito do programa Mais Médicos”. Em 15/08, o governo dos EUA desferiu mais uma agressão ao Brasil ao cancelarem o visto do ministro da Saúde, de sua mulher e de sua filha de 10 anos de idade. O ministro Alexandre Padilha, em entrevista à Globo News, referiu sua indignação por terem envolvido a sua filha no ataque. É certo que essa provocação deve ter sido insuflada pelo deputado lesa-pátria merecedor de uma cassação sumária de seu mandato. Mais uma vez, Trump dobra sua aposta de retaliação ao Brasil.
Nesta materialidade adversa provocada pela guerra ideológica imposta por Trump, chegou a hora do povo, dos movimentos sociais, das organizações sindicais e dos partidos progressistas reagirem, utilizando todas as formas legítimas de manifestação, seja nas ruas, seja na mídia digital, contra a inércia da presidência da Câmara, que vergonhosamente mantém Eduardo Bolsonaro na condição de representante do povo. É momento de a sociedade expressar com firmeza sua discordância diante dos ataques fascistas da extrema direita, como no motim da semana passada, liderado principalmente pelo partido do réu Jair Bolsonaro.
O que impede Hugo Motta de dar andamento ao processo de cassação de Eduardo Bolsonaro (PL-SP): sabotador do país, inimigo dos interesses do povo e da economia brasileira, além de intimidador da Suprema Corte na tentativa de salvar a pele de seu pai. Em entrevista à Revista Veja, Hugo Motta fez apenas uma crítica tênue às práticas de um parlamentar que, pago pelo povo, atua deliberadamente contra o país. Mais recentemente ao perceber a pressão da opinião pública sobre as investidas do deputado, Motta em entrevista à Globo News declarou: “Total discordância sobre atuação de Eduardo Bolsonaro”. Contudo, até então não indicava qualquer medida concreta para pautar sua cassação. Somente em 15/08, desengavetou os pedidos de cassação esquecidos na sua gaveta ao Conselho de Ética.
Já se passaram mais de seis meses em que Eduardo Bolsonaro vem entregando o Brasil às garras dos EUA, governado por um autocrata que ataca sistematicamente o país e os ministros da Suprema Corte. É um insulto aos brasileiros pagarem um ocupante de cargo público, que age criminosamente contra às instituições brasileiras. Eduardo Bolsonaro sempre foi um parlamentar extremamente raso em ética e civilidade. Mantê-lo como deputado é um escárnio ao povo.
O governo brasileiro, além de lidar com os prejuízos decorrentes das sanções econômicas impostas pelo governo Trump, enfrenta internamente um ambiente hostil, marcado por uma bancada de parlamentares opositores que têm se empenhado em obstruir projetos essenciais, como a isenção de impostos para quem recebe até cinco mil reais, entre outras pautas ainda pendentes de votação.
A turba bolsonarista tem se mobilizado para pautar projetos que atendem exclusivamente aos seus próprios interesses, como a anistia ampla, geral e irrestrita aos golpistas do 8 de janeiro, com foco principal no réu Bolsonaro, e a proposta de fim do foro privilegiado, destinada a proteger parlamentares da atuação judicial do STF. Tanto os partidos de extrema direita, como do centrão que prefere manter-se na zona cinzenta de suas conveniências, oscilando ao sabor das oportunidades de poder e dos arranjos que garantam suas vantagens, seguem minando a pauta do que realmente interessa ao povo.
Essa combinação de oportunismo político e desprezo pelo interesse público ajuda a explicar por que a atual composição majoritária do Congresso Nacional é formada por pessoas tão desqualificadas, improdutivas e de precária estatura ética e moral. Movidos por interesses pessoais e alinhados a agendas antidemocráticas, transformaram a arena legislativa em um palco de ataques às instituições, esvaziando o debate político e reduzindo o Parlamento a um espaço de obstrução sistemática, espetacularização midiática e defesa de pautas regressivas que pouco ou nada contribuem para o desenvolvimento do país.
Mediante essas intempéries externas e internas, é tempo de uma mobilização ativa da sociedade. A ofensiva implacável de Trump, articulada com a extrema direita bolsonarista, busca desestabilizar o país, fragilizar o governo e comprometer a dignidade do povo brasileiro. A resistência a essa investida necessita mais do que nunca do envolvimento do povo, ecoando nas ruas, nas redes e nos espaços de debate público a defesa do país e de suas instituições, sobretudo a justiça brasileira que terá em suas mãos o julgamento da tentativa de golpe à democracia, felizmente marcado para dois de setembro, ironicamente na mesma semana em que comemoramos nossa independência.
FOTO: Ricardo Stuckert/PR // Wikimedia Commons
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/trump-bolsonaro-e-a-maquina-de-sabotagem-contra-o-brasil#google_vignette