A região se encontra numa encruzilhada.
Em poucos meses, Donald Trump passou de slogans sobre “paz e prosperidade” a uma nova guerra — não declarada, mas em curso — contra a América Latina. Depois de impor tarifas punitivas ao Brasil e ameaçar a Venezuela com bloqueios navais, o alvo agora é a Colômbia.
A justificativa é a mesma que já serviu de pretexto durante décadas: o combate ao narcotráfico. Mas o que está em jogo é bem mais que drogas — é o controle político e militar de uma região que se move, lentamente, para fora da órbita de Washington.
Segundo reportou o Guardian (23 de outubro de 2025), os Estados Unidos lançaram ataques navais contra embarcações suspeitas de tráfico em águas internacionais próximas à costa colombiana, alegando “defesa preventiva” contra cartéis. O presidente Gustavo Petro reagiu com indignação: chamou os ataques de “assassinato” e exigiu que Washington respeitasse o direito internacional.
A CBS News confirmou que os ataques foram ordenados diretamente pela Casa Branca, sem coordenação prévia com Bogotá, e que resultaram em mortes de tripulantes civis — fato que o governo norte-americano tenta minimizar.
Trump respondeu com fúria: acusou Petro de “defender criminosos”, anunciou o corte de cooperação militar e ameaçou “novas ações” caso a Colômbia “não controle seus mares”. O El País noticiou que a tensão já se estende ao Pacífico, com presença de navios norte-americanos monitorando rotas comerciais colombianas.
O retorno da Doutrina Monroe
Em essência, Trump revive o espírito da velha Doutrina Monroe — aquela que dizia “a América para os americanos”, entendendo “americanos” como os Estados Unidos. Sua política externa baseia-se na intimidação: tarifas, sanções, ataques seletivos e chantagem diplomática. A retórica “law and order”, que mobiliza sua base doméstica, é exportada como instrumento de coerção contra governos que ousam trilhar caminhos próprios.
Com Petro, o ataque é duplo: primeiro, à soberania colombiana; depois, à ideia de que a política antidrogas pode ser humanizada. Desde que assumiu o poder, o presidente colombiano tenta substituir a repressão armada por programas agrícolas e sociais, pagando agricultores para abandonar o cultivo da coca, conforme noticiou a AP News.
Para Washington, essa mudança é heresia. O império só se sente seguro quando seus aliados reproduzem seus métodos — violência, submissão e alinhamento automático.
Um padrão de coerção
O caso colombiano repete o roteiro aplicado ao Brasil. Quando Lula defendeu uma política externa autônoma e se recusou a apoiar sanções unilaterais contra a China e a Rússia, veio o castigo: o “tarifaço” sobre produtos brasileiros, a suspensão de vistos, as acusações de complacência com “regimes hostis”. Agora, a Colômbia sofre na pele o mesmo tratamento.
Há um padrão: qualquer governo que tente exercer soberania é rapidamente classificado como “ameaça”. Trump não dialoga, intimida. E o faz com cálculo político: precisa mostrar força diante de sua base interna, convertendo a América Latina em vitrine de sua virilidade imperial.
A cada operação no Caribe, a cada ataque “cirúrgico” contra barcos de pescadores rotulados como traficantes, Trump exibe o mesmo teatro: o de um império decadente que confunde brutalidade com poder.
Petro sob cerco
A resposta de Petro tem peso simbólico. Pela primeira vez em décadas, um presidente colombiano confronta abertamente a Casa Branca. Ao declarar que “matar trabalhadores do negócio é fácil, o que falta é prender os chefes”, ele desmascara a hipocrisia da política antidrogas norte-americana — uma política que sempre poupou os grandes intermediários financeiros e penalizou os pobres.
A Colômbia, por anos o principal aliado militar dos EUA na América do Sul, torna-se agora foco de resistência.
Trump não tolera esse gesto de autonomia. Em entrevistas recentes, chamou Petro de “louco de esquerda” e insinuou que pode “rever” todos os acordos de cooperação com o país. O tom lembra o usado contra Lula, a quem acusou de “fraco” e “incompetente”.
O inimigo, para Trump, é qualquer governo que não se ajoelhe.
O cerco se amplia: o USS Gerald Ford no Caribe
A ofensiva de Trump ultrapassou o campo diplomático e agora se projeta militarmente sobre o continente. Nesta sexta-feira, 24 de outubro, o governo norte-americano enviou ao mar do Caribe o grupo de ataque liderado pelo porta-aviões USS Gerald Ford, o maior e mais moderno do mundo. Segundo o g1 e a Reuters, a frota — composta por destróieres, caças F-18 e helicópteros de assalto — reforça “a já grande presença militar dos EUA próximo à costa venezuelana”, numa escalada que lembra os piores momentos da Guerra Fria.
O secretário de Guerra Pete Hegseth afirmou que a missão “aumentará a capacidade dos EUA de detectar, monitorar e interromper atividades ilícitas que comprometam a segurança do hemisfério”. A linguagem é familiar: a velha justificativa do combate ao narcotráfico usada para legitimar a expansão militar. Desde agosto, Trump classificou cartéis sul-americanos como organizações terroristas, abrindo caminho para ações letais sem autorização do Congresso.
Na prática, o alvo é a Venezuela. O presidente Nicolás Maduro denunciou a presença de agentes da CIA em território venezuelano e alertou para uma possível invasão. Em tom quase desesperado, pediu em inglês: “No crazy war, please.” Enquanto isso, bombardeios norte-americanos já atingiram ao menos dez embarcações venezuelanas no Caribe e no Pacífico. O próprio New York Times revelou que as operações secretas aprovadas por Trump podem incluir “ações letais” contra líderes do chavismo.
A expansão militar coincide com as sanções impostas ao presidente colombiano Gustavo Petro, acusando-o, sem provas, de conivência com o narcotráfico. Assim, o cerco se fecha: de um lado, sanções políticas; do outro, o avanço de porta-aviões e destróieres rumo à América do Sul. O continente volta a viver sob o eco da Doutrina Monroe, agora revestida de tecnologia bélica e retórica antiterrorista.
O assessor especial da Presidência do governo brasileiro, Celso Amorim, advertiu em entrevista à AFP: “Uma intervenção externa na Venezuela pode incendiar a América do Sul.” É uma frase que resume o perigo do momento. Cada míssil deslocado para o Caribe é também um ataque à frágil arquitetura diplomática construída na região desde os anos 2000.
Lula, Petro e o desafio da unidade regional
A escalada de tensões confirma o diagnóstico de Lula: a América Latina vive um novo ciclo de pressão imperial. O presidente brasileiro, que também enfrentou retaliações de Washington, defendeu o direito de cada nação definir suas políticas “sem tutelas nem imposições”. Sua fala, muitas vezes mal-interpretada, apontava justamente para o núcleo do problema — a necessidade de enfrentar a cadeia global de poder que lucra com o tráfico, da produção até o consumo.
Lula e Petro não falam a mesma língua apenas por afinidade ideológica, mas por experiência comum: ambos estão sendo punidos por insistirem na soberania.
A coincidência é histórica
O Brasil e a Colômbia, antes polos de submissão à política de segurança dos EUA, emergem agora como vozes de insubordinação. É uma virada simbólica que desafia a arquitetura hemisférica construída desde os anos 1950, e que Trump tenta restaurar pela força.
Entre a soberania e o servilismo
O dilema latino-americano é antigo: autonomia ou servilismo.
A diferença é que agora a escolha se dá sob novas formas de dependência: financeira, tecnológica e informacional.
A guerra de Trump contra Petro não é apenas territorial: é também uma guerra de narrativas. Os grandes conglomerados de mídia reproduzem a versão de Washington, enquanto minimizam as mortes de civis e criminalizam qualquer resistência como “populismo de esquerda”.
Mas a história latino-americana ensina que a dignidade tem preço.
Petro sabe disso; Lula também. Cada gesto de independência provoca um contra-ataque, e cada recuo fortalece o império.
A soberania, hoje, é um ato de coragem.
A América Latina na encruzilhada
O ataque contra Petro não é um incidente isolado — é o sintoma de um império em declínio que tenta reafirmar sua autoridade à força.
Washington já não dita as regras do comércio global, já não controla a narrativa da democracia, já não oferece modelo de desenvolvimento, vê a hegemonia de sua moeda ser questionada. Restam-lhe o medo e as armas.
Ao transformar a “guerra às drogas” em espetáculo bélico, Trump busca restaurar um domínio que o tempo e a história corroeram.
Mas a reação da Colômbia sinaliza que essa época está chegando ao fim.
Pela primeira vez em muito tempo, um presidente colombiano não se curva. Ao fazê-lo, fala por milhões de latino-americanos que recusam o papel de subordinados.
A América Latina, mais uma vez, está na encruzilhada. Pode optar pelo silêncio e pela submissão, ou pela dignidade de quem diz basta.
Petro escolheu o segundo caminho. E o eco de sua voz, em Bogotá, ressoa em Brasília e além: o continente não aceita mais ser quintal de ninguém.
FOTO: The White House
FONTE: https://www.brasil247.com/blog/trump-intensifica-ofensiva-contra-governos-progressistas-da-america-latina
 
															