Associação Brasileira dos Jornalistas

Seja um associado da ABJ. Há 12 anos lutando pelos jornalistas

O declínio do Ocidente segundo Niall Ferguson

Niall Ferguson é considerado um dos nomes mais promissores da historiografia britânica da atualidade. Devem-se-lhe livros de fama mundial como Império, Ascensão do Dinheiro, A Guerra do Mundo e Civilização. Em O Declínio do Ocidente, Como as instituições se degradam e a economia morre (Publicações Dom Quixote, 2014) volta a um tema que lhe é peculiarmente caro, e dele parte para as suas propostas para pôr termo a uma era de desleixo e complacência, como a que atravessamos. O governo representativo, a economia de mercado, o Estado de Direito, a sociedade civil – estes foram em tempos os quatro pilares das sociedades da Europa Ocidental e da América do Norte. Foram eles, e não as vantagens geográficas ou climáticas, que colocaram o Ocidente, por volta de 1500, na rota do domínio global. Estas instituições estão atualmente a degenerar-se de forma alarmante. Este é o rastilho para a acusação polémica em que mergulha o seu ensaio.

Por Mário Beja Santos

Niall Ferguson recorda a previsão triunfal de Francis Fukuyama em 1989, em que, eufórico, proclamava a universalização da democracia liberal ocidental como forma última do governo humano. Ora acontece que a marca do liberalismo económico perdeu o lustro e o capitalismo de Estado chinês vive indiferente aos princípios da democracia ocidental. Supôs-se, após a queda do Muro de Berlim e do colapso do comunismo, que iríamos assistir a uma grande reconvergência de sistemas, o que não está a acontecer. Agora fala-se em desalavancagem para explicar o declínio Ocidental e a grande dívida no Ocidente. Ferguson considera que esta argumentação é insuficiente, como insuficiente é explicar o declínio mercê do fator da globalização e da aceleração das mudanças tecnológicas. Para ele, só com uma perspetiva política e histórica é possível explicar por que razão os políticos, no Ocidente, exigem simultaneamente dos bancos que emprestem mais dinheiro e reduzam os respetivos orçamentos. Estamos em declínio porque deixámos estagnar ou embolorecer as nossas instituições, insiste e repete. As componentes nucleares da nossa civilização foram sistematicamente descuradas. Parece que estamos a viver um profundo cisma a que no passado era a joia da coroa do Ocidente: a parceria entre gerações. Tempos houve em que a sociedade civil respondia ao apelo associativo e às agremiações voluntárias, o que hoje já não é verdade e, por outro lado, a esperança depositada sobre as novas redes sociais levam a crer que não são o melhor sucedâneo para a vida associativa tradicional. Se as instituições falharam, há que indagar o que aconteceu a esses quatro pilares das sociedades fecundas, criativas e livres que gravitaram à volta do governo representativo, da economia de mercado, do Estado de Direito e da sociedade civil. A grande divergência entre sociedades abertas e sociedades fechadas deu-se ao mesmo tempo que se criaram os quatro pilares do governo representativo, da economia de mercado, do Estado de Direito e a sociedade civil. As sociedades abertas desburocratizam, as sociedades fechadas complicam, dificultam o empreendedorismo, alimentam-se da corrupção, etc. As sociedades abertas apostaram no fomento agrícola, depois na industrialização e agora na febre criativa da sociedade em rede. O que acontece no declínio são as falhas nas instituições, a perda de respeito no contrato social entre gerações. Nas cimeiras ao mais alto nível tomam-se decisões, publicitam-se e depois vê-se que não são acatadas. Recorda o autor que, em 2011, os líderes europeus tentaram solucionar a crise recorrendo à limitação dos défices estruturais, foi um pacto orçamental que acabou por ser ignorado. Vivemos numa trapalhada que talvez só tenha duas saídas: a espiral orçamental mortífera, com um aumento do custo dos empréstimos e com os governos a serem forçados a impor cortes na despesa, ou introduzir reformas, mediante um esforço heroico de liderança pondo a sociedade a favor de uma política orçamental mais responsável. E, acrescenta quanto a esta segunda via:

«Os balancetes do sector público podem e devem ser elaborados de modo a que as obrigações dos governos possam ser comparadas com os seus ativos. Esse procedimento ajudaria a clarificar a diferença entre défices que se referem ao investimento financeiro e défices que referem à despesa corrente. E, acima de tudo, deveriam ser elaborados relatórios contabilísticos geracionais com regularidade, para que ficasse inteiramente claro quais são as implicações intergeracionais da política de hoje».

A regulação financeira tem sido apresentada como o maior problema com que a economia mundial se depara. Para o autor, devia-se fortalecer o Banco Central, garantir que os seus responsáveis possam atuar rapidamente quando detetem uma exagerada expansão do crédito e uma excessiva inflação dos ativos, esses responsáveis devem ter poderes para usar ferramentas como as variações da taxa de juro e a compra e venda de obrigações em mercado livre. O Estado de Direito está ameaçado e é preciso questionar a natureza destes riscos, o que está na sua origem: as políticas de segurança nacional; a complexidade das normas jurídicas; a crescente onerosidade da justiça. Noutra perspetiva, temos legislação que permite às empresas financeiras dedicarem-se a empréstimos predatórios; os custos de litigância revelam-se transbordantes e convidativos a iniquidades. A solução, observa o autor, é de que as reformas jurídicas estão diretamente dependentes de fatores como: a qualidade da administração pública; o ambiente regulador da atividade empresarial; da gestão e instituições do sector público, sobretudo na vertente da exigência da transparência e do combate à corrupção. Há muitas explicações para a quebra do associativismo: a tecnologia (a televisão e a internet); o Facebook e todas as comunidades online. É neste contexto que Niall Ferguson defende a sua dama de que uma sociedade maior passa por boas escolas privadas capazes de reverter o declínio que atravessamos. Em jeito de conclusão, o historiador lembra as diferenças que se instalam nos países, chama a atenção para os aspetos positivos e negativos do futuro urbano e atira-se com acerbidade contra o papel do Estado, que ele classifica como ilusório e aliado ao “Tecnotimismo”. Pega num discurso de Obama em que este exalta os poderes públicos e as instituições apoiadas pelo Estado: os professores; os investimentos públicos em estradas e pontes; a investigação do Estado na internet; o Estado que criou a classe média, o Estado que contribuiu para enviar um homem à Lua. O historiador desanca em Obama pela interpretação abusiva de que se deve ao Estado a criação de cada pequena empresa e até a criação da classe média. Fica-se sem saber o que move Niall Ferguson com as suas escolas privadas, o seu ceticismo sobre o papel do Estado. O autor considera que os êxitos dos últimos 25 anos não são especialmente impressionantes, acha que o período de 1935-1960 teve marcos tecnológicos mais notáveis, acha uma insensatez a crença na energia verde, e que devíamos apostar no nuclear e no “fracking” que podem pôr fim à dependência do petróleo. Tudo isto é simpático de ler mas tem um ar de improviso, como se o autor na magreza de um ensaio pudesse apresentar o essencial da remissão do declínio do Ocidente, falando em lideranças heroicas e reformas radicais sem lhes dar qualquer substância. Dececionante, vindo de onde vem.

FONTE: file:///C:/Users/sjda2/Downloads/11645-Article%20Text-34037-1-10-20170223.pdf